segunda-feira, 21 de junho de 2010

"Porque ele está lá!" - George Mallory e a Conquista do Everest

Em 1808, o Instituto Topográfico da Índia instalado em Nova Delhi, deu início ao difícil projeto de mapear todo o subcontinente indiano.

Um dos objetivos era descobrir se o Himalaia, como os britânicos já suspeitavam há muito tempo, abrigava mesmo a mais alta montanha do mundo. Desbravar a região passou a ser uma das questões políticas mais importantes do mundo no século XIX uma vez que a região despertava os interesses imperialistas de várias nações.

Até a metade do século XIX, pensava-se que o Kanchenjunga, com cerca de 8.534 metros, fosse o pico mais alto do mundo. Mas havia rumores de que uma cadeira montanhosa chamada de pico B poderia ser ser ainda mais alta. Em 1852, cálculos publicados pelo Instituto confirmaram as suspeitas: existia uma estranha montanha, na fronteira do Nepal com o Tibete, mais alta do que todas até então conhecidas.

Após uma exploração preliminar da região e levantamentos feitos por topógrafos ingleses, que mediram seu ângulo de elevação, chegou-se à conclusão de que a montanha media 8.839 metros. Tinha 257 metros mais do que o Kanchenjunga, sendo, portanto, o ponto mais alto do planeta.

A montanha recebeu o nome ocidental de Everest em homenagem a George Everest, o encarregado do Instituto que conduziu os primeiros estudos na região. Os tibetanos a chamavam Chha-mo-lung-ma, como era conhecida pelos chineses, mas traduzido como Qomolangma ou Chomolungma, também usado pelos sherpas. Sendo difícil de se fazer uma tradução mais acurada, passou-se a aceitar como significando “Deusa mãe do universo”, embora os sherpas às vezes o traduzam como “Lar da deusa do vento”. O nome nepalês, Sagarmatha, podia ser traduzido como: “Parte que toca o céu”, “Cabeça no céu”, “Cabeça acima de todas as outras” ou mesmo “Oceano de existência”.

Durante vinte anos os ingleses tentaram de todas as maneiras possíveis cruzar as fronteiras políticas e naturais que os separavam do Everest. As colossais montanhas fascinavam aventureiros e exploradores intrépidos que sonhavam com a conquista de uma das últimas fronteiras do planeta. Infelizmente a região havia sido fechada pelo Reino do Nepal e qualquer estrangeiro capturado no Tibet corria risco de ser executado. Os britânicos enviaram exploradores em segredo para a região, disfarçados como peregrinos que conseguiram algumas informações cartográficas adicionais.

Mesmo depois de o Everest ter sido reconhecido como a montanha mais alta da Terra, foram precisos 65 anos até que uma expedição pudesse tocá-lo.

Lhasa era uma cidade proibida, fechada aos estrangeiros por mais de um século. Em 1904 o Exército Britânico invadiu o país do Dalai Lama, massacrando setecentos nativos e abrindo caminho à força até à capital. Foi a primeira vez que ocidentais se aproximavam da montanha, o que permitiu obter fotografias. Montanhistas ingleses tentaram entrar clandestinamente no Nepal, mas alguns foram capturados e deportados, outros tantos simplesmente desapareceram nas inóspitas montanhas vítimas de bandidos, soldados ou da natureza inclemente.

A febre de conquistar a mais alta montanha do planeta se espalhou como uma grande epidemia na Grã-Bretanha.

Em 1920, depois de muita pressão, o Dalai Lama permitiu a entrada da primeira expedição de reconhecimento ao Everest. Ela foi organizada pela Sociedade Geográfica Real. Formada por diretores da Sociedade, topógrafos, geólogos, médicos e montanhistas do Clube Londrino de Alpinismo, era chefiada por Charles Kenneth Howard-Bury, um tenente-coronel do Exército Inglês com 37 anos de idade.

Muitos dos mais promissores jovens alpinistas tinham morrido na Primeira Guerra Mundial, elevando a idade média dos membros da expedição de reconhecimento para 44 anos. Embora composta por montanhistas experientes, tratava-se de experiência em montanhas européias, com menos da metade da altura do Everest.

Pouco era conhecido sobre os efeitos da altitude, bem como roupas e equipamentos específicos para o ambiente que iriam enfrentar, sendo muitas das melhores avaliações da época impróprias para os padrões atuais. Cada um levou para a montanha o que achou que iria necessitar.

Os nove membros da expedição não formavam o que se poderia chamar de um grande time, e após uma extenuante caminhada de 640 km, apenas seis chegaram à base da montanha. Para ajudá-los, os britânicos contrataram alguns guias sherpas que haviam imigrado para a Índia, dando início a uma das maiores parcerias étnicas no montanhismo himalaio: sherpas budistas e ocidentais cristãos.

A principal figura da primeira expedição foi George Leigh Mallory. Filho da alta burguesia, professor, casado e pai de três filhos, era considerado o melhor alpinista britânico da sua época. Dotado de refinada cultura e alto idealismo, possuía também uma apurada sensibilidade romântica. Nos acampamentos no Everest, costumava ler Shakespeare para seus colegas de barraca.

O incansável Mallory explorou a montanha fazendo observações valiosas da região até chegar ao passo Lho, 6.006 metros, uma falha na cordilheira permitindo passar do Tibete para o Nepal.

Apesar do mau tempo e dos precários equipamentos, três sherpas e três alpinistas, incluindo George Mallory, escalaram 6.700 metros de altitude. O audaz explorador queria continuar, hipnotizado pelo desafio, mas os outros estavam cansados demais para acompanhá-lo. Além disso, uma tempestade os obrigou a regressarem ao Acampamento-base.
A expedição seguinte, liderada por Charles Granville Bruce, um general com 56 anos, iniciou sua jornada antes das monções e gabava-se de ser formada por um grande time de treze pessoas, entre os quais os veteranos alpinistas e cinegrafistas. Segundo eles, estava abastecida com alimentação especial: champanhe, caviar e espaguete. Eles realmente tinham uma alimentação bem mais adequada, mas roupas não. A famosa foto onde aparecem George Mallory e Edward Felix Norton, no alto da montanha, os mostra vestindo calças de lã e jaquetas de jérsei. Usavam chapéu, óculos escuro, machadinhas de gelo e cordas, como se estivessem indo para um passeio em um parque inglês de inverno. Para facilitar a logística da operação, diversos acampamentos intermediários foram estabelecidos.

Eles subiram a 8.170 metros, sem oxigênio suplementar, antes de descerem com sintomas de congelamento. Com tubos de oxigênio, que os sherpas chamavam "ar inglês" e pesavam 15 quilos, uma segundo equipe conseguiu ir além. A equipe escalou até 8.323 metros, estabelecendo um novo recorde de altitude.
Estava provado que o oxigênio artificial seria imprescindível para alguém alcançar o cume do Everest. A terceira tentativa terminou prematuramente no dia 7 de junho, 200 metros abaixo do pico, quando uma avalanche atingiu a equipe matando sete carregadores. Ao saber da notícia, no Acampamento-base, foi ordenada a retirada da montanha. O Everest começava a cobrar seu tributo de quem o ousava desafiar.
De volta a Europa, Mallory iniciou uma campanha de arrecadação de fundos para voltar ao Himalaia. Durante um ciclo de palestras para arrecadar dinheiro, realizado nos Estados Unidos, ilustradas com slides das expedições anteriores, quando um irritante jornalista perguntou-lhe por que motivo alguém teria que escalar o Everest, George Mallory respondeu com o que veio a se tornar a mais celebre frase da história do montanhismo: "Porque ele está lá!"

A expedição de 1924 ainda não tinha roupas adequadas, especialmente de baixo. A cada alpinista foi entregue um kit de vestimentas no valor de 100 dólares. Alcançaram o Acampamento-base, na geleira Rongbuc, enfrentando um clima atróz, doenças e perda de equipamento.

Apesar das dificuldades, a expedição atingiu 8.572 metros – meros 278 metros abaixo do cume –, estabelecendo um novo recorde de escalada sem oxigênio artificial. A volta para o acampamento base foi dramática.

Naquela noite, exaustos e com membros sofrendo de nifablepsia, uma cegueira temporária provocada pela reflexão da neve, George Mallory escolheu o jovem e inexperiente Andrew Irvine para acompanhá-lo na tentativa do próximo dia. Os sherpas acompanharam Mallory e Irvine até parte do caminho, mas desistiram de prosseguir, tais as condições adversas do clima. Após um breve descanso, regressaram para informar que, apesar de o fogareiro ter despencado montanha abaixo, tudo estava bem, os dois europeus prosseguiriam, a partir daquele ponto, utilizando oxigênio artificial.

Na manhã seguinte, 8 de junho de 1924, o tempo estava terrível, obrigando Mallory e Irvine a deixarem o acampamento muito tarde. Enquanto esperavam para ver se as condições melhoravam, perderam estimáveis minutos, erro que provavelmente tirou-lhes a vida.
Naquela gelada manhã de 1924, enquanto George Mallory e Andrew Irvine subiam, com extrema dificuldade, em direção ao topo do mundo, em determinado instante as nuvens abriram uma brecha no céu e a silhueta dos dois companheiros foi vista pela luneta do acampamento.

Mas uma forte tormenta de neve formou-se na parte superior do Everest e, quando clareou, duas horas mais tarde, deixando visível a crista noroeste, não existia mais sinal dos alpinistas. Na esperança de que os companheiros estivessem voltando, os demais escalaram e gritaram por eles. Mas não obteve resposta. Após permanecer um longo tempo esperando pelos amigos, o mau tempo obrigou a equipe a regressar.
George Mallory e Andrew Irvine nunca mais foram vistos com vida. Teriam atingido o cume antes de morrer? Seriam eles os primeiros a terem escalado o ponto mais alto do planeta? Eles haviam morrido na subida ou na descida? Na verdade o desaparecimento dera origem a um sem-fim de conjecturas sobre se teriam ou não sido os primeiros a chegar ao cume.

Em 1980, durante uma expedição japonesa, um dos carregadores, procurou o chefe da equipe para informar que cinco anos antes, enquanto participava de uma tentativa chinesa, havia encontrado, perto de onde estavam, o cadáver de um alpinista britânico com roupas muito antigas, sentado em um terraço nevado a 8.100 metros. Se o dado estivesse correto, certamente seria o corpo de Mallory ou Irvine. E, como eles haviam recebido uma máquina fotográfica, finalmente se poderia ficar sabendo se haviam ou não chegados ao cume. Mas o mistério continuou, porque no dia seguinte o carregador desapareceu sob uma gigantesca avalanche que desabou sobre o acampamento.
Em 1999, uma expedição americana liderada pelo experiente alpinista Eric Simonson partiu para o Everest com o propósito específico de encontrar os corpos de Mallory e Irvine. A expedição foi bem sucedida tendo resgatado o corpo de Mallory. Seu traje tinha praticamente sumido, e a pele estava totalmente branca, parecendo uma estátua de mármore. Sua bota de pregos ainda conservada no seu pé escondia uma fratura na tíbia e fíbula. Mallory caíra das rochas e escorregara um pouco mais para baixo pelas rampas de gelo, mas sobrevivera, pois não havia esmagamento nos ossos. Ele fora caindo com os braços esticados, mãos espalmadas e então se posicionara para morrer, cruzando uma perna sobre a outra para um alívio final, o que deve ter acontecido logo a seguir devido às suas precárias roupas para a temperatura do final da tarde.
A cabeça e os braços do alpinista, deitado de bruços e de cabeça para cima, estavam tão congelados que haviam se colado junto ao corpo e à rocha com o passar dos anos. Ele não tinha machado de gelo, nem oxigênio. Provavelmente usara tudo durante a subida e jogara fora as garrafas vazias. Mas alguns objetos marcantes estavam por perto, a começar por um altímetro de 9.000 metros (quebrado na queda), uma carta de sua esposa, guardada no peito, perto do coração, e um cachecol perfeitamente conservado. Os óculos de proteção solar, em um dos bolsos, indicavam ter o acidente ocorrido no final da tarde, quando não havia mais luz.

Mas a única coisa que poderia provar se Mallory atingira o topo antes de morrer, a máquina fotográfica, não foi encontrada. Os alpinistas ficaram com a impressão de que "o velho inglês" havia conseguido, mas era impossível provar sem a câmera.

Mesmo com o aparecimento do corpo, o maior mistério do alpinismo continua: Mallory morrera antes ou depois de chegar ao cume? A resposta talvez jamais será conhecida.

Levaria quase 30 anos até o cume ser conquistado por Edmund Hillary e Tenzig Norgay em 29 de maio de 1953. Cento e um anos após o Instituto Topográfico da Índia ter determinado que o Everest era a mais alta montanha da Terra e depois de 14 expedições terem falhado, vitimando um total de 24 homens sob as neves da montanha.

A heróica escalada de George Mallory continua servindo com incentivo para os exploradores que desafiaram e ainda hoje desafiam a mais alta montanha do planeta.

6 comentários:

  1. Dramático e inspirador, será que George Mallory não encontrou um horror ancestral adormecido no cume do topo do mundo? rs.

    Conteúdo muito bom, obrigado por disponbibilizar.

    Um abraço.

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  2. Realmente um otimo tópico....mereceu impressão (Ctrl+P agora!)

    Continue assim!

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  3. Muito bom! Um cenário envolvendo condiçoes assim deve ser ótimo. ;D

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  4. Ótimo post!
    Sou fascinado por explorações, imaginar que dois alpinistas possam ter chegado ao cume do Everest em 1924, em meio a condições tão precárias, é realmente impressionante.

    Parabéns!

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  5. A Era das Conquistas foi realmente uma época fascinante. Quando homens se lançavam no desconhecido confiando quase que unicamente nas suas habilidades.

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  6. Realmente impressionante. Extremamente corajoso.

    http://www.youtube.com/watch?v=iQ3SrO2cbHM

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