sexta-feira, 15 de abril de 2011

Dizendo SIM para os jogadores - Postura afirmativa sem perder a firmeza



“Nós podemos saltar o abismo?”

“Não, ele é muito largo.”

“Podemos encontrar um trecho mais estreito e saltar?”

“Não, o abismo é muito largo em toda extensão.”

“Podemos amarrar uma corda e balançar para o outro lado?”

“Não, o lado onde vocês estão não tem nada onde possam amarrar a corda.”

“Nós podemos descer e depois escalar pela outra parede?”

“Não, o abismo é muito profundo. E tem lava lá embaixo.”

Os jogadores dão de ombros: "E agora?"

O mestre responde: "E eu que sei?"


O texto hipotético acontece frequentemente em várias mesas de RPG. Jogadores que até tentam formular uma idéia e um mestre que não permite que elas sejam colocadas em ação.

Você já se perguntou se como mestre costuma dizer mais "não" do que "sim" para os seus jogadores?

Uma sessão de RPG é legal por oferecer aos jogadores a chance de fazer coisas diferentes e usar seus personagens para tentar algo que eles próprios jamais fariam na vida real.

Às vezes um jogador quer agir propositalmente de modo incomum, descuidado, arriscado, impulsivo e o mestre se interpõe como um censor linha dura, limitando suas opções drasticamente dizendo "não", "nunca" e "jamais". Dizer "sim" é uma forma de dar liberdade ao jogador e permitir que ele use seu discernimento para decidir o destino de seu personagem. Uma das maneiras de não frustrar seus jogadores é aprender a dizer "sim" mesmo que o primeiro impulso seja dizer "não".

Alguns mestres podem ficar preocupados com essa noção. Seus jogadores podem afinal de contas acabar tirando vantagem disso. Outros podem achar que dizer sim tantas vezes pode anular os desafios de uma aventura. Vejamos como contornar esses obstáculos.

Seja Coerente, e exija coerência

Uma postura afirmativa não importa em ser um mestre frouxo. Uma resposta "sim" deve fazer sentido, não arruine seus planos ou complique a sua campanha dizendo sim quando uma situação é absurda.

É preciso agir com bom senso: Se um jogador propuser algo que não faz sentido, dê uma pausa e peça que ele explique melhor o que pretende e acrescente detalhes.

Se no fim das contas for algo absurdo ou simplesmente estúpido, argumente com ele quais os impedimentos existentes. Muitos jogadores vão entender que o mestre está dando uma oportunidade para que ele repense uma ação temerária quando pergunta uma segunda vez algo como: "É isso mesmo que você pretende fazer?" ou "Tem certeza que você vai tentar isso?"

Se mesmo assim o jogador quiser seguir em frente, faça sua vontade e deixe que ele encare o resultado de frente sem mitigar ou aumentar a conclusão.

Diga sim, mas

Outra tática é permitir as ações desejadas mas inserir uma condição ou situação agregada. Podemos chamar isso de "dizer sim, mas".

Uma condição ao sim, gera uma consideração tática para os jogadores, uma dúvida que ele precisa pesar. A idéia ou proposta do Pc é válida, mas eles terão algo em que pensar e ponderar.

"Sim, você pode tentar atacar o guarda, mas é possível que ele consiga gritar por socorro".

"Sim, você vai conseguir decodificar esse livro, mas isso vai demandar a noite inteira e seu personagem estará esgotado amanhã".

"Sim, esse conserto com arame e chiclete vai vedar o vazamento, mas o carro não vai andar por muito tempo".

"Sim, você pode tentar entrar no escritório, mas se forçar a porta deixará sinais de arrombamento".

Isso deve gerar um bom roleplay por parte dos jogadores a medida que o grupo discute se vale a pena tomar a ação em face dos possíveis resultados. E também os incentiva a buscar cobrir cada possibilidade.

Se necessário ajude grupo a obter um "sim"

Por vezes o grupo acaba sem idéia e não consegue juntar duas informações que tornarão sua ação mais fácil ou razoável.

Nesse caso, o mestre pode ajudar o grupo a chegar a uma conclusão ou colocá-los no caminho certo.

Imagine que o grupo quer entrar em uma antiga casa nos arredores de Arkham que é considerada assombrada. O grupo sabe que um zelador mau encarado toma conta do lugar e que não será fácil entrar sem que ele seja alertado.

O grupo pondera sobre o que fazer. Entrar pela frente atrairia o zelador e eles sabem que o homem costuma fazer a ronda com uma espingarda, não há portas dos fundos, as janelas estão barradas, o lugar parece uma fortaleza...

O grupo então chega a seguinte conclusão e pergunta para o mestre sobre a viabilidade: "Podemos nos esgueirar pelo quintal até a porta da frente?".

O mestre então resolve ajudar com uma idéia para colocá-los no caminho certo.

Ele diz: "Sim, podem tentar isso, mas terão de fazer três rolamentos de Furtividade. Mas então enquanto vocês analisam o caminho que pretendem fazer pelo jardim, percebem que em meio às folhas e ervas daninhas há uma entrada para o porão".

"Podemos nos esgueirar até lá?"

"Sim, vocês teriam de cruzar apenas metade do caminho e fazer apenas um teste de Furtividade".

Pronto! Surgiu uma idéia e um novo curso de ação proporcionado pelo mestre.

Outro exemplo?

Os investigadores conseguem capturar um dos cultistas e desejam interrogá-lo para saber o paradeiro de um artefato que o culto roubou. Os maníacos vão usá-lo para invocar uma entidade e o grupo precisa saber onde fica o esconderijo. O grupo pondera sobre como extrair a informação do cultista capturado.

"Posso torturá-lo queimando o maldito com cigarros e arrancando suas unhas com alicates?" pergunta um dos PC´s.

O Guardião responde afirmativamente inserindo um "mas":

"Sim, mas ao fazer isso você estará agindo como estes dementes e estará abraçando as mesmas práticas deles" ou seja, se ele torturar o sujeito vai perder alguns pontos de estabilidade.

O mestre decide ajudar: "por outro lado, ele não os conhece e não sabe até onde vocês estariam dispostos a ir".

Um dos jogadores entende a mensagem. Os personagens preparam uma mesa onde amarram o sujeito nu pelos braços e calcanhares. Um deles veste um capuz aterrorizante, segura um atiçador de fogo em brasa e começa a fazer perguntas assim que o cultista acorda. Em nenhum momento ele faz ameaça pois não pretende realmente torturar o infeliz apenas intimidá-lo.

O cultista acaba contando tudo o que o grupo quer saber sob a ameaça de ser torturado e o grupo preserva sua sanidade.

O Valor de discutir pequenezas

O mestre deve levar em consideração o que pretende quando impõe desafios pequenos ou triviais para o grupo.

No exemplo de transpor um abismo, o mestre deve se perguntar: "Se o objetivo é transpor o abismo (já que a continuação do cenário depende disso), porque ficar retendo os personagens nesse obstáculo trivial?"

Eventualmente o grupo tem que conseguir passar, então porque perder tempo segurando o grupo, negando cada uma de suas idéias? Não é melhor dizer um "sim" de uma vez?

O que quero dizer é: nenhum mestre (ao menos nenhum mestre bom) coloca um obstáculo intransponível diante de um caminho que precisa ser atravessado para que a aventura continue. Então ao invés de ficar atormentando o grupo com negativas, vá direto ao assunto: "Vocês usam uma corda para atravessar para o outro lado". Pronto, siga com o cenário.

Vai por mim, um grupo que ofereceu idéias, teve todas elas recusadas e esgotou as opções é um grupo que vai se encher rapidamente da aventura.

Se você sentir isso, corte o papo furado e ofereça uma saída.

2 comentários:

  1. Otimo post!

    Acho que em suma, alguns narradores ainda seguem o conceito que o narrador é o ser supremo da mensa e mantem em mente que sua função é dificultar a vida dos jogadores.

    Eu não consigo entender este conceito.

    Por falar nisso, gostaria de saber se tem o interesse em ter um coluna sobre Cthulhu em nossa e-zine trimestral?

    Caso queria, me mande um e-mail para rafael.jakeline.araujo@gmail.com

    Até mais....

    "PQ Só Reinos de Ferro Salva"

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  2. Otimo post mesmo, grandes dicas de mestre parabens keep working!

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