sexta-feira, 8 de agosto de 2014

Mesa Tentacular: Estréia como Keeper de Call of Cthulhu com a clássica aventura "The Haunting"


Por Fábio Silva

Em 2011, junto com o lançamento de Rastro de Cthulhu, iniciava-se minha trajetória no universo Lovecraftiano. Achei o Mythos fascinante, e a partir desse ponto me dediquei cada vez mais ao jogo. Comprei cenários, suplementos e mais recentemente a primeira campanha, Eternal Lies.

Nesse meio tempo havia ouvido falar de Call of Cthulhu com seu incrível histórico e currículo de cenários e suplementos. Comprei alguns, li e testei o sistema BRP que acompanha o jogo, mas nunca havia tido a oportunidade de jogá-lo a fundo. 

Com o lançamento do Chamado de Cthulhu no Brasil, meu grupo e eu decidimos explorar mais as possibilidades que esse clássico possibilita, e a experiência foi exuberante! Segue as nossas impressões.

Nosso Primeiro Contato Com Chamado de Cthulhu


A noite era fria e chuvosa quando nos reunimos à mesa para o jogo. Inicialmente os jogadores optaram por transferirem seus personagens de Rastro de Cthulhu para a nova planilha, de Chamado de Cthulhu, ideia que se dissipou ao se depararem com a proposta da primeira aventura. No bate-papo inicial, achamos interessantes que os antigos investigadores se tornassem um grupo de estudiosos da Universidade Miskatonic, os quais poderiam ser consultados em futuros cenários (sim, isso está acontecendo agora, em No Limiar das Trevas. Dois deles apareceram) - mantendo assim a sua importância e ligação afetuosa dos jogadores por seus antigos companheiros.

Então apresentei a planilha de personagem, que todos olharam meio intrigados no começo, pela quantidade de informações dispostas (diferente de Rastro de Cthulhu que se concentra apenas nas habilidades). Porém, quando expliquei e resumi a criação do investigador a dois passos (atributos e habilidades) tudo ficou mais fácil e em cerca de 30 minutos todos tinham os personagens prontos para o início do cenário.

Optei por narrar The Haunting (A Assombração), um dos quatro cenários básicos que se apresenta no livro, por ser simples, rápido e prático, mas fiz algumas modificações, principalmente para testar a praticidade do sistema em situações de tensão.


Sem muitos "spoilers", acresci um Mi-Go que tinha executado os procedimentos em Corbin, e alguns cultistas. Todos se encontravam "in vitro" e toda forma de comunicação era feita através de uma máquina especial que projetava um holograma do indivíduo que era conectado (bem na pegada Um Sussurro Nas Trevas). Fora isso, o procedimento investigativo seguiu como o mostrado no cenário do livro (com exceção da cena na antiga capela, que eu como um Guardião empolgado e distraído, esqueci de colocar - mas realoquei todas as pistas para as cenas posteriores assim que percebi a gafe).

O andamento da investigação foi rápido e fluente, apesar de meu medo inicial de tornar as coisas chatas ou paradas, por não conhecer bem o sistema ou pela lenda urbana do "falha no teste, perde a pista" (sim, vou comentar isso algumas vezes aqui). Todos conseguiram ir de uma cena à próxima, unindo pistas e avaliando os handouts que dispunha na mesa à medida que eles realizavam as buscas e pesquisas. Um dos pontos altos da comunidade que joga o Chamado de Cthulhu é a disponibilidade de acessórios para as partidas, coisa que sinto muita falta na comunidade do Rastro de Cthulhu, afinal alguns podem dizer que os handouts são compatíveis e tudo mais, porém o material que encontro quando realizo buscas relacionadas a Chamado de Cthulhu são bem melhores em qualidade e quantidade, e direcionado a cenários específicos, do que alguns cenários do Rastro de Cthulhu (sim, estou falando da comunidade internacional).


Digo isso porque não só é esse cenário que preparei. Além dos quatro cenários básicos do livro, estou preparando no momento o Mansion of Madness e os handouts que consegui encontrar são muito mais do que quando preparei cenário para Rastro de Cthulhu. Isso talvez não seja um grande ponto, mas chega a ser significativo quando se trata de jogos Cthulhianos, pois um dos pontos fortes dos cenários é o incentivo a que os jogadores toquem e avaliem as pistas pessoalmente (e não apenas em descrições e diálogos). Acredito que 90% dos handouts que possuo para cenários de Rastro de Cthulhu foram criados por mim.

Sobre o sistema e... tudo mais!

De mim, Guardião habituado ao Gumshoe, posso dizer que sentir a praticidade do d100, a violência do sistema, com rolagens marcantes e significativas para o drama do jogo e para a vida e sanidade dos investigadores. Um dos pontos altos do Gumshoe é o sucesso automático para a obtenção de pistas, e esse é um dos principais contrastes apresentados entre ambos os jogos (são vários, eu sei, mas esse é o mais comentado). Para mim, realmente foi minucioso o trabalho de administração de informação e distribuição de pistas, mas grande parte disso se deu a meu hábito do sucesso automático.

Permiti que a falha dos investigadores nas rolagens do d100 não representassem um empecilho na obtenção de pistas, mas sim um inconveniente durante a trajetória. Pesquisas em bibliotecas se tornaram mais lentas, entrevistas e interrogatórios se tornaram constrangedores, pesquisas científicas se tornaram confusas, etc. Nada que viesse a interferir diretamente, mas que gerou situações adversas que os investigadores deveriam contornar, e não uma falha que represente que eles são um bando imbecis despreparados - e assim deixassem uma pista passar.


Claro que, até onde li (sim, ainda não li o livro básico todo, mas estou chegando lá) essa foi uma abordagem que decidi usar representando as falhas e que talvez não represente a abordagem usual do sistema. Não me julgo certo ou errado por tomar tal atitude, fiz assim pelo receio da lenda "falha é igual a pista perdida" que tanto senti nos comentários espalhados em publicações e pela internet - que vem junto com a diminuição do ritmo da partida. Como era minha primeira narração "oficial", preferi não arriscar, mas à medida que formos jogando vou testando melhor e sentindo a praticidade do jogo.

No quesito sistema, meu grupo habitual de Rastro de Cthulhu chegou a comentar que o Chamado de Cthulhu é mais intenso, em grande parte pelo fato de aumentar o número de rolagens e da tensão do sucesso/falha em situações chaves. Isso porque em Rastro a obtenção de pistas é automático, o que os faz pensar sobre a utilidade de seus investigadores se você não for um Guardião cuidadoso, e em Chamado, mesmo em uma obtenção de pista algo pode dar errado (criando um drama, além de conseguir a pista).


Uma coisa que senti bastante falta no Chamado de Cthulhu e que já havia me habituado no Rastro de Cthulhu são os testes de Estabilidade. No sistema Gumshoe, a Estabilidade representa a resistência mental e emocional a traumas de qualquer tipo, humano ou sobrenatural. Já a Sanidade é a habilidade em conhecer e temer os aspectos da humanidade que formam o caráter e filosofia coletiva. É o quão você acredita nas mentiras confortáveis do dia-a-dia. Ou seja, momentos tensos e decisivos abalam sua Estabilidade e o Mythos destrói sua Sanidade. No Chamado há apenas Sanidade e ela representa apenas isso: sua condição mental em vista dos traumas de qualquer tipo. É a sua condição mental em receber e reagir a informações, bem como perceber como as coisas estão acontecendo ao seu redor, seja natural ou sobrenatural. É bom e mais direto, porém eu estava acostumado ao charme que a divisão das habilidade pode proporcionar. Acredito que com o tempo eu me habituo melhor.

Sobre o Mythos...

Comprei alguns cenários que me indicaram no grupo do Mundo Tentacular no facebook e me deparei com muita coisa boa, porém bem diferente do que estava acostumado, e meus jogadores também notaram isso. Ao termino da partida, sentamos para debater os pontos altos e baixos (e novamente uma semana depois, quando assistimos a Um Sussurro Nas Trevas) e eles me apresentaram a curiosidade na forma violenta como o Mythos se apresentou. Em todos os cenários de Rastro de Cthulhu que adquiri e tivemos a oportunidade de jogar, o Mythos era mais discreto, sombrio e sorrateiro. Os investigadores têm muito poucas chances de combater e revidar, e precisam de coragem e petulância para isso (e uma boa reserva de vitalidade, estabilidade e sanidade).

No Chamado sempre há alguma criatura do Mythos que se apresenta aos investigadores no clímax da investigação, viagens dimensionais, contato com seres extra-dimensionais, cidades ancestrais, rituais e atividades estranhas a serem realizadas e há uma boa chance de eles descobrirem as coisas escondidas por trás das cortinas do universo (se saírem vivos ou sãos). Ou seja, o Mythos foi uma experiência mais direta e intensa. Sentimos que o Chamado é mais maduro, violento e cru, enquanto o Rastro é mais tenebroso, soturno e sinistro. Não sei se li e interpretei ambos os jogos de minha forma, mas comprei bastante coisa de ambos, li e comparei e isso foi o que sentir com relação a eles.

No Rastro sinto que o Mythos é mais discreto e está nos vigiando, a espera do momento certo para nos tragar. Somos meros humanos deparados com questões universais de peso assombroso e destruímos nossa mente e nosso corpo na tentativa de barrar tais. Claro que há cenários como Inacreditáveis Casos Sobrenaturais e Shadows Over Filmland, que têm uma pegada mais pulp e ativa, mas mesmo desses não senti diretamente a estranheza de combater o Mythos. No Chamado eu sinto a violência do Mythos mais direta, com cenários repletos de rituais, psiquismo e confronto direto com criaturas do Mythos. Em Rastro de Cthulhu, para meu grupo e eu, isso sempre foi muito sutil. Na verdade, eu senti que o Mythos se tornou mais violento no Rastro de Cthulhu com o lançamento dos suplementos Cthulhu Apocalypse, Inacreditáveis Casos Sobrenaturais e Magia Bruta. De fato, sempre senti que o sobrenatural e Rastro de Cthulhu é mais tênue e macabro.

*     *     *

Essas foram minhas impressões iniciais. Ainda estou preparando mais alguns cenários (no momento em que escrevo, estamos jogando No Limiar das Trevas) e queremos jogar mais vezes para sentir de forma mais completa o jogo, pois como dito no título, esse foi o nosso primeiro contato e nossa primeira impressão. No mais, digo que nossa receptividade à proposta do jogo foi muito positiva e entusiástica. Meu carinho por Rastro de Cthulhu é eterno, e sou muito apegado à sua escrita moderna e gótica, soturna e tétrica, mas o Chamado de Cthulhu tem conquistado uma boa posição entre meus jogos favoritos (a prova disso é que já temos mesa fixa, semanal).

Se você jogar ambos, assim como nós, notará que não é muito complicado converter e usar os cenários e ideias de um em outro. Continuo a jogar Rastro de Cthulhu (e após 4 anos apenas como Guardião, finalmente consegui treinar e incentivar o surgimentos de novos Guardiões que também possuem o mesmo apego ao Rastro) e preparo os cenários da Pelgrane Press para nossas partidas de Rastro, bem como preparo cenários e campanhas de Chamado para Rastro. São bons jogos separados, são excelentes jogos juntos, cada um com seus altos e baixos.

Não sei se concordam ou discordam com algo, mas na verdade foi o que eu senti durante a preparação e partida, e a interpretação é algo dinâmico que pode variar de indivíduo para indivíduo. Sinto, na verdade, que comecei a ler e jogar o Rastro, bem como entrar no mundo Lovecraftiano, de foma exótica, com cenários e ideias que fogem do habitual, e talvez isso tenho distorcido minha visão sobre ambos os jogos. De qualquer forma, o tempo e as partidas refinarão melhor nossos conceitos sobre esse clássico, que se provou um grande jogo para nós.

Um comentário:

  1. Haha, Will, não sabia que você postava por aqui. Abraço e continue na Dreamlands!!

    Diego Lins.

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