domingo, 26 de novembro de 2017

Helter Skelter - A loucura conspiratória da Família Manson


California 1967, o ano conhecido como "Verão do Amor".

O ex-detento Charles Manson fica atônito com as transformações do mundo desde que ele havia sido preso em 1960. O slogan "faça amor, não faça a guerra" estava na boca de todos, enquanto grupos de rock da Costa Oeste, como Beach Boys, Grateful Dead, Jefferson Airplane sonham com o sucesso. As garotas se tornavam liberadas e drogas passam de mão em mão. Entusiasmado, ele se une a comunidades hippies de San Francisco, onde se dedica a tocar guitarra e se apresentar nas ruas. Ao se sentir bem recebido em toda parte, ele se pergunta se essa não é uma nova chance de mudar de vida. Se ele não morreu e chegou ao paraíso.  

Uma jovem bibliotecária chamada Mary Brunner, de apenas 23 anos, o acolhe sem fazer perguntas em sua casa. Manson fica intrigado principalmente com a forma como as pessoas passaram a questionar as instituições: Governos, empresas, professores, religiosos, os juízes e carcereiros, todos que haviam abusado dele estavam sob constante observação e crítica. A sociedade estava em ebulição, clamando por mudanças em sua própria estrutura. O sistema era visto como algo a ser derrubado, destruído pela revolta popular que ansiava por mudanças imediatas. Por fim, ele havia encontrado um mundo com jovens dispostos a se engajar em causas, desde que estas fossem consideradas legítimas por eles.

Mary Brunner também mostrou a Manson que os tempos eram outros no que dizia respeito às relações entre homens e mulheres. Havia muita liberação, e Manson logo explorou as possibilidades recolhendo Darlene, uma garota de 16 anos que havia fugido de casa e trazendo-a para morar com os dois. O triângulo parecia conviver bem, seguiam o lema "nada e ninguém pertence a ninguém". Manson ficava com Darlene durante o dia e à noite com Mary. Isso deu a ele uma ideia a respeito de comunidades hippies.


Em pouco tempo, influenciada por Manson, Mary decidiu largar o trabalho na biblioteca universitária e viajar com ele e Darlene a bordo de um velho ônibus escolar que Manson havia comprado com o restante do dinheiro da amante. O trio passou a visitar comunidades hippies ao longo da Califórnia onde Manson se apresentava como um artista em busca de reconhecimento e sucesso. Logo, o ônibus passou a receber novos adeptos, na maioria adolescentes que não tinham para onde ir e queriam chegar à Los Angeles. Manson os recebia com um sorriso encorajador e dizia que eles poderiam fazer o que quisessem enquanto viajassem com ele. Não haveriam regras e nenhuma forma de autoridade seria tolerada. 

A trupe, composta de 10 ou 12 pessoas viajou pela Costa Oeste, do Oregon até Los Angeles parando em cidades abandonadas ou no meio da estrada. Manson convencia os rapazes e meninas a se prostituir para conseguir dinheiro para comida, drogas e combustível. Ao chegarem a Los Angeles, o riqueza das mansões e o glamour de Hollywood contagiou a todos. Eles estavam em uma cidade rica e cheia de novas perspectivas. Os seguidores acreditavam que Charlie logo conquistaria o estrelato e todos iriam desfrutar de seu sucesso e viver numa daquelas mansões enormes, com comida e fartura para todos. No espírito da época, o grupo de hippies era recebido em comunidades de beira de estrada e chegaram a dormir na propriedade de artistas que apoiavam a contra-cultura.

Uma das pessoas que recebeu o bando foi Dennis Wilson, baterista dos Beach Boys que incentivou Manson a gravar suas canções folk. Wilson apresentou Charlie a alguns produtores da indústria fonográfica e ele chegou a gravar algumas demo-tapes para serem distribuídas entre agentes de talentos. Para pagar as contas ele exigia que os membros do bando conseguissem mais dinheiro, o que os levava a prostituição e venda de drogas.



Mas as músicas gravadas por Manson não fizeram o sucesso que ele esperava, o que o deixava furioso. Não demora muito e ele acaba descontando sua raiva nos engenheiros de som que fizeram a gravação das fitas, acusando-os de terem sabotado seus esforços e atrapalhado deliberadamente sua busca pelo estrelato. Alguns dos membros da Família decidem se afastar de Manson que fica paranoico achando que todos estão contra ele. Sabendo que a única forma de recuperar o controle sobre o restante da Família é mantendo-os ao seu alcance, ele decide usar o que sobrou de seu dinheiro para alugar uma velha fazenda nos arredores de Los Angeles. O grupo passou a residir em Rancho Spahn, uma propriedade rústia que estava abandonada. Lá Manson se tornou o líder espiritual de todos e deu início a um período marcado por viagens psicodélicas, experiências com LSD, amor livre e total cumplicidade entre os membros do grupo que passam a se apresentar como integrantes da mesma "Família", a Família Manson.

Apesar da penúria em que viviam, os membros da Família Manson se diziam felizes e satisfeitos com sua opção. Eles compartilhavam praticamente tudo e acreditavam ser parte de um movimento que ajudaria a reformar a humanidade, resultando em uma Nova Era de paz e compreensão. Apesar de seus princípios pacíficos, Manson incentivava seus seguidores a roubar e cometer pequenos delitos. Alguns deles passaram a roubar automóveis, entrar em casas, subtrair objetos em lojas ou simplesmente mendigar nas ruas. Drogas e álcool eram aceitos na casa, mas Manson decidia quem do grupo teria acesso, como forma de controlar a família. Ganhava uma porção maior quem obtinha mais dinheiro na semana. Não demorou muito até que Manson também se envolvesse com tráfico de drogas, trazidas por motoqueiros que transitam pelos estados. Ele conseguiu algum dinheiro agenciando mulheres como cafetão ou chantageando clientes.

Mas apesar de todos seus planos, Manson não conseguia fazer sucesso com sua música. Culpando todos ao seu redor - menos a si mesmo, ele se torna rancoroso e adverte seus seguidores que a sociedade não está pronta para ouvir a sua palavra transformadora. A essa altura, Manson já plantara na mente de seus jovens seguidores o conceito de que era uma espécie de Profeta.


Certo dia, ele ordena que seus seguidores arrumem as coisas e que partam com ele na busca de um novo lugar para viver. A Família encontra uma granja abandonada nos limites do Deserto conhecido como Death Valley onde resolvem se estabelecer. O Rancho Baker se converte no santuário da Família e Manson assume a postura de um líder messiânico, afirmando que ali eles ficarão em segurança quando chegar o Fim dos Tempos. Mesclando citações bíblicas e canções dos Beatles, adicionando algumas gotas de ódio racial e terrorismo, Manson começa a elaborar uma teoria aceita cegamente pelos seus seguidores, a de que o Apocalipse estava próximo. Grande fã dos Beatles, ele afirma ter recebido uma revelação na forma de profecia ao escutar repetidas vezes o famoso "White Album" da banda. Ele relaciona a faixa "Revolution no 9" com o Capítulo 9 do Livro das Revelações, no qual o quinto anjo do Apocalipse anuncia a vinda do "Filho do Homem", que Manson afirma ser ele próprio.

Em seu delírio, ele assume a postura de um Messias que irá limpar a Terra dos infiéis e abrir os Sete Selos para o início do Apocalipse. O "Fim dos Tempos" conforme suas palavras viria com Guerras Raciais que colocariam brancos e negros em lados opostos de uma Guerra Civil sangrenta, um evento chamado de Helter Skelter, o nome de outra faixa do mesmo álbum dos Beatles. Para Manson o conflito teria fim com a vitória dos negros, mas estes acabariam por se sujeitar a ele e a Família, reconhecendo-os como líderes que viriam a governar o que restou do mundo. Influenciado por sua própria insanidade, Manson fica cada dia mais paranoico, sobretudo quando a polícia investiga suas ligações com tráfico de drogas. Temendo que fosse uma questão de tempo até ser preso, ele decide antecipar o Helter Skelter. 

Na tarde da sexta-feira 8 de agosto ele envia quatro seguidores de confiança, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Leslie van Houten, acompanhadas de Tex Watson, até a casa 10500 em Cielo Drive. onde Manson acreditava que um produtor musical chamado Terry Melcher ainda vivia. Ele não sabia que a propriedade havia sido alugada alguns meses antes: o inquilino era o Diretor de cinema Roman Polanski. Manson havia dado ordens expressas para que seus seguidores fossem até a casa e matassem quantos porcos (na linguagem deles, pessoas ricas) conseguissem. O líder da Seita fornece ao grupo uma arma de fogo e várias facas e porretes, além das instruções de como entrar na casa e promover o massacre. O objetivo era fazer com que a polícia culpasse ativistas negros e que esse fosse o estopim para o Helter Skelter (Guerra Racial).

Naquela noite fatal, Sharon Tate, esposa de Polanski, com oito meses de gravidez estava recebendo convidados para passar a noite com ela na propriedade. Seu marido estava fora do país, filmando e ela se sentia solitária. Foi um infortúnio tantas pessoas estarem presentes na mansão. O ataque foi rápido e brutal, os assassinos entraram, acuaram as pessoas na casa, as juntaram na sala e as massacraram sem piedade usando facas e porretes. Os que resistiram foram alvejados.

O assassinato de Leno e Rosemary La Bianca foi perpetrado no dia seguinte para reforçar a conspiração mentirosa de que as chacinas haviam sido conduzidas por radicais negros. Nessa ocasião, o próprio Manson acompanhou o grupo destacado para a tarefa. Deu a eles uma dose de LSD e escolheu a mansão mais adequada, aquela habitada por "porcos". Manson pulou o muro, e se esgueirou pelo pátio até a janela da sala que estava aberta. Ele voltou aos seus discípulos e lhes deu a ordem: - "Entrem e matem todos! Me deixem orgulhoso!", em seguida foi embora.


Transcorrendo os meses de agosto e setembro, a polícia continuava sem encontrar uma resposta para os crimes. Nesse meio tempo, Susan Atkins, se envolveu no assassinato de um rapaz chamado Gary Hinman e acabou sendo detida para interrogatório. Enquanto estava presa, deixou escapar para suas colegas de cela detalhes sobre suas viagens de LSD, sobre seus companheiros da Família Manson e finalmente, sobre o prazer que tinha em matar. Em 12 de outubro, a polícia interrogou Susan uma segunda vez e ela acaba revelando sua ligação com Charles Manson e a Família ainda escondida no Rancho Baker. A polícia que já desconfiava saquela Seita Estranha, acredita ter encontrado os responsáveis pelos massacres de Los Angeles.

Várias viaturas policiais convergem para o local e os detetives da homicídios dão ordem de prisão para o grupo que se rende sem resistência. Na propriedade encontram objetos comprometedores, sobretudo a arma de fogo utilizada na invasão. Drogas, álcool e menores de idade também são apreendidos e a Família Manson começa a ser relacionada com uma série de crimes que incluem tráfico de drogas, roubo, agressão e cárcere privado, além é claro, da participação nos assassinatos ocorridos em 8 e 9 de agosto.

O julgamento se estende por um ano e meio e transforma-se em um evento para a mídia. Manson é chamado de arquiteto da tragédia, um verdadeiro demônio capaz de persuadir adolescentes a matar com prazer e cometer atos impensáveis apenas para agradá-lo. Entretanto, apesar de sua participação intelectual, Manson se defendia alegando não ter matado ninguém em pessoa.


As três meninas angelicais que acompanham os trabalhos judiciais, mudavam de aparência constantemente, raspando os cabelos, se vestindo como hippies e distribuindo flores aos jornalistas. Diante de um juri atordoado, elas confessam alegremente seu papel nas chacinas. Reconhecem ter cometido os crimes como um "ato de amor" em nome de seu líder espiritual. O próprio Manson dá mostras de instabilidade: tenta atacar o juiz, agride à socos e ponta-pés seu próprio advogado, grita e esperneia, entalha um "x" na própria testa, depois o transforma em uma suástica... o público assiste tudo incrédulo.

Em março de 1971, após um desgastante julgamento vem a sentença: Manson, Susan Atkins, Patricia Krenwinkel e Leslie van Houten são condenados à morte, assim como Tex Watson e Bobby Beausoleil em outro processo correndo em paralelo no Texas. A sentença, no entanto acaba sendo comutada para prisão perpétua com uma mudança no Estatuto Judicial da Califórnia. 

Nos anos que se seguem, os membros da Família Manson acabam se dispersando ou sumindo de circulação. A maioria dos que foram presos se dizem arrependidos de participar dos crimes e de tomar parte nos crimes. Culpam seu líder tresloucado e as drogas pelos atos impensados cometidos e afirmam que Manson detinha sobre eles uma espécie de controle quase sobrenatural. Alguns sequer se recordam de seus anos no seio da Família, as lembranças parecem turvas e distantes. No cárcere, Tex Watson e Susan Atkins se convertem em Cristãos Renascidos. Alguns menores de idade conseguem voltar para suas famílias e alguns até mudam de nome para romper de vez com sua participação nesse medonho caso.


Mas é claro, havia exceções e alguns membros da Família permaneceram leais à Manson e sua filosofia demente. O Rancho continuou servindo como santuário para jovens até a polícia debandar seus moradores; logo depois a propriedade foi derrubada para não se tornar destino para desajustados e curiosos. O caso mais grave envolvendo ex-membros da Família Manson ocorre em 1975 quando Lynette Fromme, uma jovem desajustada, tenta assassinar o então presidente dos Estados Unidos Gerald Ford.

De forma sinistra, a filosofia torpe de Manson continua bem viva no mundo atual. A crença de que é preciso assassinar pessoas para promover uma mudança social, encontra ecos nos dias atuais com o terrorismo radical e os crimes perpetrados por inimigos da tecnologia como o UnaBomber. Já o racismo de Manson, um admirador confesso de Hitler e da solução final, continuou sendo compartilhado pelos milícias supremacistas brancas e por neonazistas. Finalmente, o caráter religioso da Família, uma Seita no modelo Messiânico encontra similaridade com os Daividianos que promoveram uma matança durante o Cerco de Waco em 1993.

Ainda hoje, psicólogos e pesquisadores comportamentais estudam o que atraiu tantos jovens a uma companhia tóxica como Charles Manson, um homem que os levou a  matar sem escrúpulos. Culpar apenas o uso de drogas parece uma resposta muito simples para essa questão. É óbvio que Manson detinha sobre eles um tipo de controle vigoroso graças ao seu carisma e manipulação. Mas como ele foi capaz de criar um vínculo tão forte, uma verdadeira unidade familiar ainda choca os especialistas.


Nas palavras de Susan Atkins, "Manson era uma figura paterna que todos queriam agradar. Todos desejavam que ele sorrisse e dissesse algumas palavras incentivadoras, e quando ele o fazia, era como experimentar a maior felicidade do mundo. Não há como explicar! Nossa vida estava nas mãos dele... se ele pedisse para morrermos por ele, nós simplesmente morreríamos".

Charles Manson permaneceu confinado à uma cela isolada na Prisão de San Quentin, Califórnia desde sua condenação em 1971. Seus pedidos para obter liberdade condicional foram negados apesar de exaustivas tentativas. Semana passada, Manson morreu de causas naturais, aos 83 anos de idade.

A despeito de sua morte, o horror de suas ações continuará a nos assombrar por muito tempo.

Para ler mais a respeito da Família Manson leia aqui:

Os Crimes da Família Manson

Um comentário:

  1. Por coincidência no American Horror History teve um episódio com a simulação da morte da Sharon Tate, quase em cima da data da morte do Manson. Bizarro.

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