domingo, 2 de janeiro de 2011

Quando um jogador dá adeus - O que fazer com personagens sem dono?

Ninguém está livre disso e tenho certeza que muitos mestres e jogadores devem ter passado por essa situação. Às vezes obrigações e oportunidades surgem e as pessoas tem que se mudar.

Vida que segue, mas campanhas que sofrem. Quando um jogador fica impedido de participar dos jogos temporariamente ou em alguns casos permanentemente o mestre se vê diante de uma questão delicada. O que fazer com o personagem do jogador que se foi?

Vejamos algumas opções:

1 - Morte

"Ele morreu para nos conceder a chance de continuar lutando!"

A mais drástica das medidas sem dúvida é uma das mais empregadas pelos mestres. Eliminar o personagem sem dono é uma das opção prática que acaba com o problema de uma vez por todas. Em jogos com temática lovecraftiana não é nem um pouco difícil um personagem, quanto mais um investigador envolvido com as macabras criaturas do Mythos, ser vítima fatal de uma delas.

Meu conselho, se você escolher essa opção, é tornar a morte do personagem um acontecimento espetacular. Faça com que o personagem morra em um momento épico enfrentando o vilão central da campanha ou ainda faça com que ele se sacrifique em nome de um bem maior. Na primeira hipótese você irá reforçar o sentimento contrário ao vilão fazendo dele um inimigo ainda mais detestado pelos demais jogadores. Na segunda, a morte do jogador fixará o tom de bem maior da campanha, mostrando aos demais a seriedade do que está em jogo.

Se você ajustar as coisas, o personagem morrerá como um herói concedendo a ele uma bela despedida e uma forma de contribuir com o espírito da campanha.

Uma morte imotivada ou sem sal é perder a oportunidade de criar um momento especial em seu jogo, algo que os demais jogadores comentarão ao longo das próximas sessões.

2 - Aposentadoria

"Eu tento me afastar, mas eles continuam me puxando de volta!"
- O Poderoso Chefão

Por vezes alguns personagens simplesmente se aposentam das investigações sobrenaturais. Trata-se de uma carreira curta e aqueles que tem a chance de se afastar enquanto ainda conservam sua saúde ou sanidade sem dúvida viverão mais.

Após uma campaha ou uma longa série de jogos é natural que um personagem pense em se aposentar. Afinal se um grupo de investigadores salvou o mundo de um culto que pretendia adiantar o retorno de uma entidade, então nada mais justo que eles passarem seus últimos dias colhendo os louros dessa vitória.

No entanto, é possível que o personagem tenha de abandonar a campanha em pleno andamento. Essa é uma situação que pode ser trabalhada pelo mestre para reforçar o clima de ameaça e paranóia entre os personagens. Raramente se vê um personagem em RPG desistido de sua missão e para alguns grupos (sobretudo os acostumados com aventuras heróicas) um de seus companheiros "abandonar o barco" será algo inédito e porque não dizer estranho.

O personagem do jogador em questão pode simplesmente avisar que não irá prosseguir nas investigações. O custo psicológico foi alto demais e seguir adiante é convidar o desastre. A aposentadoria é uma medida que funciona bem com personagens que tenham sofrido distúrbios mentais, traumas profundos, que tenham colecionado várias insanidades ou que tenham ainda ferimentos físicos incapacitantes.

Mais do que uma situação inusitada, o afastamento do personagem serve para minar a confiança do restante do grupo. nas situações de crise, os jogadores vãos e lembrar daquele que se afastou quando teve a chance e pensar amargamente: "será que ele tinha razão?"

Essa situação também pode ser usada para preparar o terreno para o retorno do jogador caso seu afastamento não seja permanente. Talvez o personagem dele apenas precisasse de uma longa estadia em uma casa de repouso a fim de voltar anos mais tarde pronto para uma nova investigação.


Fuga

"O mundo está perdido e não resta esperança a não ser conservar o que resta de nossa sanidade. Por isso eu resolvi pegar a estrada mais fácil, aquela que me afasta da certeza do horror e que me leva à uma chance ainda que remota de sobreviver"
- Carta de despedida do Professor Theodore Bryce na campanha Masks of Nyarlathotep

Semelhante à aposentadoria, a fuga é uma maneira de reforçar o caráter aterrorizante dos Mythos e sua natureza inominável.

Pense bem: diante de um horror qual a nossa primeira reação? Alguns lutam e alguns (talvez a maioria) fogem.

Um personagem pode simplesmente abandonar seus companheiros quando o peso esmagador de salvar o mundo estiver sobre seus ombros. Assim como a aposentadoria essa opção serve para colocar na mente dos jogadores a questão: "será que todo o nosso esforço não é em vão?"

O keeper pode trabalhar a fuga de várias maneiras. Mas a minha favorita é aquilo que eu chamo de "fuga na calada da noite". O personagem simplesmente parte deixando para trás uma carta ou uma mensagem em que reconhece sua incapacidade de prosseguir. Esse tipo de notícia cai como uma bomba sobre o grupo de investigadores restantes. Eu recomendo que o keeper escreva um handout à mão e que seja dramático na sua escolha de palavras. Se isso for bem feito o grupo irá reagir de duas maneiras. Alguns tentarão fazer de tudo para provar que o companheiro está errado enquanto outros desejarão um dia reencontrá-lo para acertar as contas.

Certa vez, em uma aventura Pulp, um dos personagens abandonou a campanha fugindo na "calada da noite" e foi uma cena memorável. Não só porque o sujeito deixou o grupo numa selva na mortal Ilha da Caveira, mas porque ele levou parte da munição, armas e suprimentos.

Completar a missão para caçar o sujeito, se tornou uma das prioridades do grupo. E alguns viveram para fazê-lo.

Semente para a investigação

"A morte de meu irmão não vai passar impune. Agora é pessoal!"
- 9 entre 10 filmes de artes marciais dos anos 80.

Vários cenários de investigação lovecraftiana se iniciam com uma morte ou cm algum acontecimento assustador envolvendo algum amigo dos investigadores.

Que tal fazer esse raio cair no meio do grupo e atingir um deles?

Faça o seguinte: ao invés de matar um NPC criado justamente para a situação, elimine o personagem do jogador que está se afastando da mesa. O efeito disso será que os jogadores investigarão o crime de um ponto de vista pessoal. Eles vão querer vingar a morte de seu companheiro e se concentrarão nessa missão com muito mais afindo.

O segundo efeito é que eles saberão o quão vulneráveis eles mesmos são.

Certa vez eu usei essa medida e funcionou muito bem em jogo. Um dos jogadores até se tornou tutor dos filhos do personagem morto e mais tarde casou com a viúva dele.

O Terceiro Homem

"Nós precisamos de ajuda e eu conheço o homem certo para o trabalho".

Essa é uma saída prática para uma ambientação em que o mestre por vezes encontra dificuldade em inserir novos personagens.

Nesse caso, o personagem do jogador que se afastou é mantido numa espécie de "banco de reservas". Quando (e se) um dos outros personagens morrer ou sofrer danos mentais permanentes que impossibilitem sua participação nas futuras investigações, o reserva entra em cena.

Para que isso funcione, um motivo tem que ser criado para que ele em primeiro lugar tenha se afastado. Talvez um desentendimento com o grupo, quem sabe ele tenha viajado para consultar um livro numa biblioteca em outro país. Talvez ainda ele tenha decidido escrever suas memórias ou cuidar de sua família depois que essa foi ameaçada por um culto.

Seja qual for a razão, a morte de um colega, fará com que esse personagem retorne à ativa. A única diferença é que extra-jogo ele será controlado por outro jogador, mas em essência se trata do mesmo personagem.

Bem, estas são algumas opções espero que elas possam ser úteis.

6 comentários:

  1. Esta foi uma das melhores postagens suas até agora. meus parabéns. A idéia é muito boa e pretendo adaptar a idéia para outros jogos de fantasia medieval.

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  2. ...otimo post para começar um ano que promete :) ...no meu grupo ja tivemos uma situação dessa...transformamos o personagem em um NPC de apoio...o que abriu muitas possibilidades...

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  3. Esse é um tema difícil de se lidar. Como mestre eu geralmente desenvolvo a aventura em torno do histórico dos personagens e, quando um precisa sair, possivelmente uma ponta ficará solta, talvez em aberto mesmo que o resto da campanha se desenvolva normalmente. O que eu costumo fazer é convidar novos jogadores para assumir o papel do personagem.

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  4. Utilizo normalmente a morte do personagem pois tenho alguns jogadores engraçadinhos que sempre perguntam se não podem utilizá-los. Asas cortadas, é uma saída que deve ser usada sim, com maestria.

    As outras opções são muito boas também!

    Este artigo ajuda muito os keepers iniciantes e claro, refresca idéias dos mais antigos! ;)

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  5. Olha, ótimo post. Ganhou um visitante!

    Sempre tenho que lidar com esses problemas, porque volta e meia um jogador meu quer trocar de personagem e (mais raro) às vezes algum não pode mais jogar e tal. Geralmente deixo o cara como NPC e fico menos cuidadoso de não matá-lo, e se ele não morrer depois de um tempinho aposento. Vou levar as suas ideias em consideração pra melhorar esse aspecto!

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  6. Infelizmente uma vez ou outra temos que realmente lidar com isso. Há algum tempo atrás, eu resolvi mestrar um RPG baseado em um livro no qual eu estava lendo, a história era basicamente de suspense policial, mas eu decidi adicionar algo sobrenatural em cima, pois vi potencial.
    Começamos em 6 jogadores, mas um deles acabou um mês depois tendo que se ausentar, havia passado no vestibular de uma faculdade de outro estado e teve que se mudar pra lá. Inicialmente, eu imaginei que poderia matar o personagem dele, assim como fiz outras vezes, em outros jogos. Mas acabei por decidir "escondê-lo" e que ele se tornaria como um "NPC". Eu usei ele pra enriquecer a história central, os jogadores ficaram cada vez mais interessados no desaparecimento do mesmo, e logo passaram a ir mais a fundo pra saber o que aconteceu, o que me deu a deixa para adicionar histórias relacionadas ao antigo personagem, como pistas, diários, passagens por locais, e várias outras coisas que aprofundaram mais ainda a história central, deixando os jogadores bem mais interessados, principalmente porque agora a história do jogo não era apenas mais uma longe deles, era agora algo que já havia de alguma forma entrelaçado na vida dos personagens dele.

    Por último, ótimo texto!

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