sábado, 6 de agosto de 2011

Resenha | A maldição da Chaosium - Resenha bombástica do livro Curse of the Chthonians

A resenha a seguir foi escrita por um fã de Call of Cthulhu que assina seus artigos com o apelido Pookie.

Eu pensei em escrever uma resenha a respeito deste livro, mas o autor conseguiu de tal forma refletir meu pensamento que desisti e tratei de traduzir suas palavras.

Ao meu ver é uma crítica sobre a maneira pouco respeitosa como a Chaosium Inc. nos últimos anos vem tratando os fãs de Call of Cthulhu. Espero que críticas como essa se espalhem e de alguma forma coloquem as coisas em ordem... não é de hoje que a Chaosium vem pisando na bola e Curse of the Chthonians parece ser o fundo do poço.

A seguir a resenha publicada originalmente no blog Reviews from R'lyeh, em 31 de julho de 2011:

A maldição da Chaosium

Por Pookie

Imagine que você detém os direitos sobre uma antologia de cenários para Call of Cthulhu que foram publicados a última vez em 1984, e como editor, decide publicar novamente esse livro. Você então decide que a única mudança necessária é incluir alguns desenhos. No processo, você nem leva em consideração que as referências a algumas campanhas e antologias (que estão fora de impressão) poderiam ser revistas. Para terminar você aumenta o tamanho da fonte (as letras) para garantir que o livro tenha o dobro de páginas em relação ao original.

Ah sim, você não opera qualquer alteração no conteúdo original que pudesse garantir que o texto sobrevivesse a passagem do tempo ou que o tornasse jogável para os padrões contemporâneos. Além do que, você não se preocupa em mencionar o nome do artista cujo trabalho agora agracia seu novo, e substancialmente mais grosso, livro.

São esses os absurdos presentes em Curse of Chthonians: Four Odysseys Into Deadly Intrigue, uma coleção de cenários que não são reunidos em um mesmo volume há quase trinta anos! Lançado em uma época em que aventuras prontas para Call of Cthulhu eram raras, os quatro cenários foram descritos como sendo "os mais detalhados publicados para Call of Cthulhu". Eles levam os investigadores para Rhode Island, Nova York, Egito e para as profundezas do Grande Vazio na Península Arábica para confrontar face a face o Mythos. Nessas investigações os personagens enfrentam ghouls, Nyarlathotep, Chthonians, Chaugnar Faugn, e tem a oportunidade de visitar Irem, a Cidade dos Pilares.

A primeira aventura escrita por David A. Hargrave é Dark Carnival. Ela descreve um parque de diversões itinerante no estado de Rhode Island, que não é apenas o lar de gente estranha, mas também é assombrado por estranhos incidentes e mortes nos últimos anos. Supostamente, os investigadores devem ser atraídos por esses incidentes bizarros, mas o Guardião é quem deve estabelecer os fatos. O grande problema de Dark Carnival é que a estória é composta apenas de ideias, sem uma narrativa ou background capaz de formar um roteiro. A ambientação, tem uma galeria de tipos grotescos devotos de um culto que não é sequer descrito - a Society of the Great Dark – e ela se desenvolve essencialmente como uma aventura de dungeon. Sem conselhos ou sugestões narrativas, o Guardião tem que se virar para costurar as ideias e transformá-la em algo jogável.

Se Dark Carnival deixa a desejar em narrativa, o mesmo não pode ser dito de The Curse of Chaugnar Faugn, o segundo cenário escrito por Bill Barton. Aqui o problema é justamente o contrário. Nessa aventura um dos investigadores deve socorrer uma ex-namorada que teme pela segurança de seu pai, um famoso antropólogo, que não apenas está doente, mas que foi atacado por um misterioso oriental. Desde o início, fica claro que o Guardião terá de guiar seus jogadores através da aventura usando uma coleira a fim de não permitir que eles se desviem do plot central. A aventura é conduzida de tal maneira que só pode ser completada de modo satisfatório se o grupo seguir as indicações do Guardião. Há momentos interessantes em The Curse of Chaugnar Faugn, mas a maior parte da aventura sofre pela mão pesada do Guardião influenciando as ações.

Os outros dois cenários em Curse of the Chthonians foram escritos por William Hamblin e podem ser jogados separadamente ou como uma mini-campanha. O primeiro é Thoth's Dagger, que se inicia com um leilão e um assassinato e depois parte para uma jornada através da qual o Guardião raspa a sanidade de seus investigadores sem dó nem piedade. Pense em uma versão em miniatura de Masks of Nyarlathotep, que leva os investigadores de Boston para o Egito a medida que eles tentam remover uma maldição que pesa sobre um deles. A aventura aconselha que o Guardião evite transformar o final do cenário em um “dungeon crawl,” mas ao meu ver isso é quase impossível. A aventura tem seus momentos de horror e intriga, mas no fim das contas deixa uma sensação de que é o final de uma campanha e não um cenário independente.

Thoth's Dagger continua em The City Without a Name. A aventura pode ser jogada como stand alone, mas requer que os investigadores tenham uma ligação com NPCs apresentados no cenário anterior. A estória envolve uma encomenda que deve ser entregue a um rabino em Jerusalém, mas antes que possam cumprir a missão, os investigadores tem uma visão. Eles deverão usar então a doutrina oculta conhecida como Gematria para interpretar a visão e solucionar o mistério que se apresenta. A aventura conduz o grupo até o Iêmen e de lá para o deserto da Arábia, onde repousam as ruínas de Irem. Infelizmente a aventura se transforma em uma imensa dungeon com dezenas de salas e exploração. Assim como Thoth's Dagger, o cenário tem alguns momentos de interesse, mas no fim eles são anulados por longos trechos em que o grupo tem que resolver enigmas aritméticos usando um código retirado da Cabala. O livro possui um artigo para auxiliar os jogadores a compreender a Gematria.

Para os padrões modernos, estes cenários são demasiadamente lineares e influenciados por um estilo que privilegia a condução dos acontecimentos pelo Guardião sem espaço para o grupo buscar outras opções. Mesmo jogadores antigos de Call of Cthulhu vão estranhar a maneira como as pistas são obtidas, uma vez que handouts são secundários. O ideal é que uma "segunda edição" trouxesse alguma clarificação e que os poucos handouts fossem refeitos. Conselhos sobre como lidar com imprevistos seriam bem-vindos, mas nada disso acontece.

Fisicamente, o livro tem mudanças mínimas. O tamanho da fonte é a principal alteração que se percebe ao comparar o livro original, mas isso não traz qualquer benefício além de aumentar o número de páginas. Uma nova arte interna foi adicionada, por Bradley K. McDevitt (que não recebeu créditos) e embora não seja um trabalho ruim, nos cenários em que a arte original de Lisa M. Free é mantida, acaba havendo confusão, uma vez que o estilo dos dois em nada se assemelha. Pior ainda, em um cenário, um dos NPCs principais é retratado pelos artistas de modo totalmente diferente.

Mais grave do que isso é o fato de que Curse of the Chthonians não foi atualizado quanto à mudança de regras entre edições de Call of Cthulhu. Quando o livro foi lançado, nos tempos da segunda edição, haviam algumas regras diferentes da atual versão. Nem isso foi corrigido!

Se você possui uma cópia de Curse of the Chthonians, e não se considera um colecionador ferrenho, não há nenhuma razão para adquirir uma cópia desta reimpressão. Trata-se basicamente de uma reimpressão e não de uma segunda edição, uma vez que isso implicaria em pelo menos algumas mudanças significativas no conteúdo. As poucas alterações são mínimas, inefetivas e desnecessárias.

Fica claro que a Chaosium republicou esse livro sem realizar mudanças suficientes que justifiquem o nome "segunda edição". A única alteração visível é o aumento da fonte, para assim aumentar o número de páginas e consequentemente o preço. Trata-se de algo vergonhoso, uma completa falta de respeito para com os jogadores de Call of Cthulhu. A republicação de Curse of the Chthonians não é apenas barata, mas faz com que você imagine se a Chaosium ainda se importa com as pessoas que compram seus produtos e gostam de seus livros de coração.


* * *

Eu não poderia concordar mais com essa resenha.

Trata-se de um livro desnecessário, malfeito, mal-acabado e com material datado. Ele me faz ponderar a respeito dos atuais responsáveis pela linha de publicações da Chaosium. O que terá acontecido com a editora que se orgulhava de escrever "Criadores do Call of Cthulhu RPG" em seus livros e que publicava um material que sempre foi considerado sinônimo de qualidade?

A Chaosium parece ter parado no tempo. Será que a base de fãs é tão vasta que não justifica mudanças em suas publicações? Será que a editora pensa que os leitores não merecem algo melhor?

A Chaosium não mudou nada em seus conceitos nos últimos 20 anos, os livros continua padecendo de diagramação antiga e desenhos que mais parecem saídos dos anos 80. Será que ninguém por lá percebeu que o conceito de livros de RPG mudou? Livros coloridos, capa dura, arte de primeira, papel especial... essas características são hoje lugar comum em livros de RPG. Pegue como exemplo a Pelgrane Press, a Fantasy Flight Games, a Cubicle 7, a própria Wizards of the Coast e a White Wolf. Todas investem em um visual atraente e em livros com acabamento impecável. E isso sem mencionar a francesa Sans Detour e a alemã Pegasus Spiele que editam uma versão de Call of Cthulhu sensacional.

Se o problema fosse apenas estético a coisa não seria tão grave. Infelizmente, não é de hoje que o conteúdo dos livros da Chaosium tem decaído consideravelmente. Eu comprei os últimos livros lançados: Terrors From Beyond não chega a ser um livro que chame a atenção, Strange Aeons II é um fiasco e o Cthulhu Invictus tem erros crassos de diagramação culminando com a ausência de handouts!

Será que o fato da editora ser pequena é justificativa para esse resultado abaixo da crítica? É uma pena, mas do jeito que andam as coisas a Chaosium parece estar marchando para uma triste direção.

Eu gostaria que fosse diferente, adoraria ver a Chaosium lançando livros com a qualidade de antes, mas isso não está acontecendo. Mudanças seriam bem-vindas, o quanto antes para que a editora não acabe por se perder de uma vez por todas.

Quem sabe as críticas e a discussão que a resenha acima abriu possam ajudar a Chaosium a voltar para os trilhos antes que o pior aconteça.

2 comentários:

  1. É triste mais é verdade. A Chaosium vem pisando na bola nos seus últimos lançamentos. Bem diferente da Pelgrane, que anda acertando em cheio, provando que uma editora pequena tbm pode fazer bonito.

    Mamedes

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  2. Pois é Mamedes,

    Eu estou esperando o novo Cthulhu Gaslight que a Chaosium anunciou para Setembro desse ano. Vamos ver se esse livro vai prestar. Quem sabe nem tudo está perdido já que esse livro vai ter material inédito, inclusive novos cenários. Vamos torcer.

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