terça-feira, 19 de junho de 2012

Mestrando cenários One-Shot em Eventos de RPG

Faz tempo que eu não escrevo um artigo genérico que pode ser aproveitado para qualquer RPG, sem necessariamente se referir a horror ou "terríveis cefalópodes tentaculares". Pensei sobre o que poderia escrever e acho que o tema escolhido é bem atual.

Nos últimos meses têm ocorrido uma certa agitação entre os jogadores de RPG veteranos, pelo menos aqui no Rio de Janeiro. Vários Encontros de RPG pipocando aqui e ali. Até pouco tempo atrás tínhamos apenas o clássico REDERPG no Bobs, depois veio o Saia da Masmorra e agora o Masmorra Carioca, eventos que concedem um novo fôlego ao cenário do RPG carioca.

Esses eventos são uma ótima maneira de juntar grupos, conhecer outros jogadores, formar novas mesas e apresentar jogos para quem quer conhecer. Não há maneira melhor de manter nosso querido hobby vivo e forte do que compartilhar experiências e convidar outros jogadores (de primeira viagem ou não) para um joguinho amistoso.

Infelizmente mesas regulares e campanhas tem se tornado cada vez mais difícil para mim (e acredito, para todos os que estão na faixa dos 25-30 anos). A bem da verdade, nos últimos anos tenho sido muito mais um mestre de aventuras one-shot do que de campanhas regulares. Até que ponto isso é bom ou ruim? Depende do mestre e dos jogadores que se encontra...

Por mais que eu sinta saudades de campanhas onde os personagens acompanham o crescimento de seus personagens e desenvolvem sua interpretação, eu me divirto jogando com grupos diferentes e apresentando meus jogos favoritos a novos jogadores.

Aqui estão algumas dicas à respeito da minha experiência como participante de vários eventos que talvez venha a ser útil a outros mestres interessados em levar suas aventuras para Eventos de RPG.



Dica 1: Descubra a alegria de mestrar cenários One-Shot

Em minha experiência, cenários one-shot funcionam melhor em eventos do que aventuras interligadas ou mesmo uma campanha.

O público em eventos de RPG nem sempre é constante e nem sempre será possível contar com os mesmos jogadores na continuação da sua aventura. Tente portanto fazer com que o cenário se encerre na primeira sessão. Se não for possível pare a narrativa em um momento de expectativa (o tal cliffhanger -- literalmente com os personagens se segurando na beira do precipício), que manterá a atenção dos seus jogadores e o interesse em continuar a narrativa onde ela foi interrompida.

Em geral as aventuras one-shot são mais curtas e permitem certo grau de experimentação. Nelas o mestre se sente à vontade para testar algo novo: seja no sentido de apresentar um novo sistema ou uma história dentro de um sistema conhecido, mas que foge ao convencional. A maior parte dos one-shots que eu mestrei foram com o intuito de apresentar um jogo pouco conhecido a jogadores de primeira viagem.

A estrutura e o roteiro em cenários one-shot tende a ser bastante rígida -- há um incidente que guia toda a narrativa e os acontecimentos se sucedem de forma bastante linear, sem muito espaço para divagações longas ou para que os jogadores fujam do caminho traçado pelo mestre.

Com isso, os jogadores acabam focando nos pontos essenciais da aventura e seguem o ritmo dela tentando completar cada etapa da estória que os levará mais perto da conclusão. Se por um lado a aventura ganha em presteza e agilidade, por outro, não há muito espaço para crescimento dos personagens ou seu desenvolvimento.

Dica 2 - Leve tudo preparado de Casa

Uma coisa importante: Em aventuras one-shot, é interessante o mestre preparar os personagens antecipadamente e simplesmente distribuir as fichas aos jogadores quando eles estiverem sentados na mesa.

Se você comparecer a um evento de RPG com o intuito de jogar uma aventura para conhecer um sistema e o mestre começar a explicar como é feita a ficha dos personagens, tenha em mente que a aventura provavelmente não irá terminar. Mesmo o mais rápido sistema de criação de personagens irá tomar muito tempo disponível -- especialmente se dentro do grupo houver muitos jogadores de primeira viagem. Criar personagens pode ser um exercício interessante, mas não é a melhor opção para apresentar um jogo, sobretudo em um evento.

Agilize as coisas. Leve tudo pronto de casa, é mais fácil e rápido.

Dica 3 - Apresente personagens adequados ao cenário

Em eventos de RPG, o mestre tem a chance de lidar com um grupo que conjuga as necessidades da aventura. Um grupo com personagens dentro das classes e/ou ocupações ideais que facilitarão a interação dos jogadores e a superação dos desafios a medida que eles forem surgindo. O objetivo disso não é tornar a vida do mestre mais fácil, mas fazer com que a aventura não tenha obstáculos intransponíveis nesse primeiro contato.

Nenhum jogador de primeira viagem quer encontrar obstáculos intransponíveis em sua primeira experiência de jogo. É frustrante não saber o que fazer e ficar empatado sem uma opção viável para  a situação enfrentada. Alguns jogadores chegam a associar as dificuldades da aventura com dificuldades da ambientação, o que pode significar que eles podem não querer dar outra chance ao sistema.

Como mestre, prepare personagens que tenham a chance de brilhar em cada parte da história, sem favorecer alguns em detrimento a outros. É importante para os jogadores se sentirem parte do grupo para que o jogo possa ser apreciado igualmente.

Dica 4 - Prepare personagens extras

Uma outra dica é preparar pelo menos dois ou três personagens adicionais para compor o grupo.

Em eventos, você nunca sabe quantos jogadores estarão em sua mesa e o mestre pode adotar uma postura "coração de mãe" para receber quantos jogadores for possível (desde que isso, é claro, não comprometa a estrutura da aventura). Além disso, ter um bom leque de opções de personagens permite aos jogadores que vão receber os personagens prontos, escolher o que for mais interessante e não ter de assumir o último apenas porque ninguém o queria ou porque foi o que restou.

Dica 5 - Estabeleça um Vínculo entre os PC's

Em campanhas é muito interessante e proveitoso deixar que os jogadores criem seus vínculos e estabeleçam o grau de amizade e comprometimento entre os personagens. Mas os mestres experientes sabem que isso pode levar tempo e o vínculo entre o grupo pode demorar muito mais do que uma sessão para se formar. Imagine ter de esperar que isso ocorra na introdução de uma aventura one-shot?

A melhor opção é presumir que os personagens tem um vínculo em comum já estabelecido e que confiam mutuamente uns nos outros. Parentes, companheiros de armas, amigos de longa data, aventureiros, parceiros de trabalho... qualquer vínculo já formado facilita muito a interação e aumenta as possibilidades de roleplaying.

Para tornar esses vínculos ainda mais claros, disponibilize junto com a ficha informações sobre os personagens dos outros jogadores. Não é necessário que seja algo extenso, apenas o suficiente para que os jogadores tenham com que começar. Pode ser um pouco trabalhoso, mas essa medida vai render bons frutos. Personagens que supostamente já se conhecem ou dispõem de algum tipo de elo conseguem trabalhar melhor, não agem como traidores quando surge o primeiro tesouro ou tencionam abandonar seus colegas à própria sorte e salvar suas vidas.

Dica 6 - Identifique aliados entre os jogadores

Logo antes de iniciar o jogo pergunte se há na mesa de jogo jogadores que conhecem o sistema ou que já jogaram a ambientação em questão. Sugira a esses jogadores que assumam a interpretação dos personagens centrais na trama, pois o fato deles serem veteranos no jogo os ajudará a coordenar os esforços dos demais. Se a aventura envolver uma investigação criminal, por exemplo, entregue o detetive de polícia ao jogador mais experiente. Se a história tiver um fundo científico, ofereça o cientista que terá de fazer vários testes ao jogador veterano. Caso a estória seja sobre uma unidade militar atrás das linhas inimigas, dê o comandante para o cara que já jogou antes. E assim por diante...

Peça também que os jogadores com prévia experiência ajudem a dirimir dúvidas menores e explicar algumas regras e rolamentos para os jogadores de primeira viagem. O mestre tem a responsabilidade de apresentar o jogo, mas não há nada que o impeça de desfrutar da boa vontade de outros jogadores interessados em ajudá-lo.

Dica 7 - Facilite o acesso a informações na ficha de personagem

Em alguns sistemas é interessante que os jogadores possam saber rapidamente quais as suas opções a fim de decidir o que seus personagens podem ou não fazer.

Se o sistema tiver perícias, vantagens, poderes, habilidades especiais, armas especiais torne claro como esses recursos funcionam. Assuma que alguns de seus jogadores não estarão familiarizados com a ficha de personagem e não saberão onde encontrar as informações em um momento de pressão. Certas fichas mais parecem manuais técnicos: repletos de números, símbolos, notas de rodapé, remissões, abreviações, iniciais e asteriscos que são fáceis de ser interpretados por mestres e jogadores familiarizados com o sistema, mas parecem grego para qualquer outra pessoa. Os que não estão acostumados não conseguirão traduzir à tempo ou simplesmente vão desistir de tentar, por isso tente tornar a coisa mais simples.

Da mesma forma, não presuma que o jogador vai lembrar de todos os detalhes sobre suas habilidades e poderes. Mesmo que o mestre tenha explicado antes do início do jogo para que serve cada poder, nem todas as informações serão assimiladas pelo jogador.

Poucas coisas podem ser mais irritantes do que o jogador perder seu personagem durante uma aventura em um sistema que não conhece direito e o mestre dizer em tom condescendente: "Ah, você morreu porque não usou a habilidade que está ali na ficha. Se tivesse lembrado disso estaria vivo..."

Ofereça aos seus jogadores ajuda para que eles saibam quando usar suas habilidades especiais, poderes ou armas e lembre-os quando for necessário da existência dessas capacidades.

Dica 8 - Evite dividir o grupo

Esse é um conceito particular que eu gosto de manter.

Grupos de jogadores muitas vezes gostam de se dividir: dois vão investigar o depósito, um decide que é melhor ver o templo, outros dois querem examinar a biblioteca e um deles vai até a despensa. Nesses casos, o mestre acaba tendo de lidar com 4 pequenos grupos, sendo forçado a separar os jogadores e explicar a cada um o que acontece em cada local.

Dividir o grupo pode parecer lógico, sobretudo em cenários investigativos, mas por experiência própria eu sei que isso acaba sendo um tiro no pé. Em primeiro lugar, um grupo com menos pessoas investigando tende a perder pistas ou esquecer de detalhes importantes. Um grupo maior tem mais chance de encontrar o que precisa ser encontrado, de localizar uma informação essencial ou de fazer a perguntas corretas à testemunha que está sendo entrevistada. Por vezes, alguns jogadores funcionam melhor em grupo, complementando a interpretação de seus colegas e dando sugestões para que nada seja perdido.

Além disso, é "chato" (muito chato!) para os jogadores que estão fora da cena ter que esperar que o mestre termine de narrar os acontecimentos para que eles possam voltar a fazer alguma coisa. Esse é um tempo em que o grupo acaba se dispersando em conversas paralelas perdendo o foco da aventura ou esquecendo do que eles próprios devem relatar aos outros.

Tente preservar a unidade do grupo a maior parte do tempo. Por vezes uma cena pode perder o impacto desejado se apenas um ou dois dos personagens participarem dela.


Bom, essas são as dicas que me passaram pela cabeça...

Sem dúvida há muitas outras e se alguém quiser acrescentar pode ficar à vontade para fazê-lo. Mestrar em Eventos e Encontros de RPG é uma ótima maneira de conhecer novos jogadores, trocar idéias e de se manter informado sobre outros jogos.

Aliás, isso me leva a uma dica para os jogadores que comparecem aos eventos.

Tente cortar o cordão umbilical e o elo de dependência do grupo já formado com o mestre habitual. Sinceramente, não consigo entender porque jogadores que jogam todo o final de semana juntos, fazem o mesmo em eventos. A grande graça dos encontros é poder conhecer jogadores diferentes e fugir um pouco do convencional (da zona de conforto por assim dizer).

Prefira sistemas e ambientações que você conhece pouco ou dos quais jamais ouviu falar, tente algo diferente pois pode ser a sua única oportunidade de conhecer um jogo em primeira mão... com certeza existem cenários incomuns que vão se mostrar gratificantes de conhecer.


Se você gostou, talvez lhe interesse ler:


Quantos jogadores cabem na sua mesa? - Definindo o número perfeito:


http://mundotentacular.blogspot.com.br/2011/05/quantos-jogadores-cabem-na-sua-mesa.html


Dizendo SIM para os jogadores - Postura afirmativa sem perder a firmeza:


http://mundotentacular.blogspot.com.br/2011/04/dizendo-sim-para-os-jogadores-postura.html


Aumentando a Tensão durante os Combates - Dicas para tornar as coisas mais interessantes:


http://mundotentacular.blogspot.com.br/2011/03/aumentando-tensao-durante-os-combates.html


Quando um jogador dá adeus - O que fazer com personagens sem dono?


http://mundotentacular.blogspot.com.br/2010/12/quando-um-jogador-da-adeus-o-que-fazer.html

Um comentário:

  1. Boas dicas, acho que uma das quais no inicio eu mais pecava em eventos era o acesso à informação do nº07. Ia aos eventos pensando que os jogadores já sabiam sistemas e mecânicas até o momento que percebi que estava mestrando em eventos de anime para uma molecada entre 12 a 17 anos que se ouviu falar em RPG na vida com certeza era em jogos eletrônicos. Depois de um tempo simplesmente comecei a jogar as regras no lixo pelo bem dá aventura, apenas no final avisando que existiam várias regras, algumas que com certeza eu quebrei mas em nome da diversão.

    Acho que outra boa dica que complementa a dica 2 de levar tudo preparada é esta: Seja extremamente visual, muitas das pessoas que jogam com você não tem as mesmas referências que você é os seus amigos. Quando você diz para uma pessoa normal que esta localizou um grupo de kobolds por exemplo o jogador tarimbado de RPG já sabe do que se trata e como se comportar. Porém para todos os outros mortais é muito complicado "visualizar" o mostro, o desafio ou a localidade. Sempre que possível tenha imagens, mapas, miniaturas e qualquer outro props, além de aumentar a imersão na história com certeza ira aumentar a concentração do grupo.

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