quinta-feira, 28 de fevereiro de 2013

Cthulhu by Gaslight - Resenha do Livro de Call of Cthulhu na Era Victoriana


por Alex Lucard (Diehard GameFAN)

Quando a Chaosium me enviou uma cópia da Terceira Edição de Cthulhu By Gaslight, para resenhar, a primeira coisa que fiz foi procurar na minha prateleira de jogos a segunda edição de 1988 junto com o suplemento Sacraments of Evil, livro de cenários que complementa a Era Victoriana segundo Call of Cthulhu. Minha ideia era obter um contraste e assim fazer uma comparação. Afinal de contas, nada menos do que 24 anos separam as duas edições. 

Eu sempre tive um carinho especial por Cthulhu by Gaslight, uma vez que joguei essa ambientação durante meus anos de colégio e ainda hoje ela permanece como uma das minhas campanhas favoritas em todos os tempos. A ficha do meu velho personagem, o advogado Brian Chumley até estava enfiada na última página do livro.

Faz sentido re-lançar Gaslight uma vez que ano passado (2010) a Chaosium publicou uma edição de trigésimo aniversário de Call of Cthulhu. Sempre houve grande interesse nessa ambientação e uma vez que faz quase um quarto de século que a última edição foi lançada, é uma ótima pedida reeditar esse trabalho. Porém, essa terceira edição é tão diferente das anteriores que a tentativa de realizar uma comparação ou apenas um levantamento de "o que tem de novo" soa como um insulto. A terceira edição apresenta um layout completamente diferente e é um livro muito mais extenso e completo.

O cenário que acompanhava a segunda edição, "The Yorkshire Horrors" foi limado e trocado por duas novas aventuras: “The Night of the Jackals” e “The Burnt Man.”. A terceira Edição é também mais bem elaborada. A edição anterior tinha apenas 128 páginas - sendo 42 páginas dedicadas a aventura. A nova encarnação de Gaslight é mais robusta com 196 páginas, das quais 50 páginas se referem aos cenários. Portanto o conteúdo foi acrescido, há o dobro de aventuras e muitos detalhes adicionais. Boa parte do texto escrito por William Barton que figurava nas duas edições anteriores ainda está no livro, mas há muitas novidades (toneladas delas!). Eu fiquei positivamente surpreso com essa nova edição. O livro é além disso um ótimo acréscimo a série Cthulhu Britannica da Cubicle 7, que abre as portas para uma detalhada campanha no Reino Unido.

Gaslight é ainda uma ótima fonte de recursos e informações para qualquer jogo ambientado na Era Vitoriana. O trabalho de pesquisa é impecável e consegue detalhar aspectos da vida, sociedade e cotidiano da Inglaterra Vitoriana sem ser em momento algum redundante ou enfadonho.

Bem, que tal dar uma olhada nas quatro grandes sessões de Cthulhu by Gaslight e comentar o que você vai encontrar nesse livro:

I. Personagens Vitorianos 


A primeira coisa que encontramos nesse capítulo é o sistema de criação de personagens. Você deve estar se perguntando porque eles incluíram as regras para criação de personagens em Cthulhu by Gaslight quando o Livro Básico já possui todas essas informações. Bem, não é apenas para ocupar espaço, longe disso. Na realidade, Gaslight apresnta algumas pequenas alterações nas regras no momento de dar vida aos seus personagens. Muitas dessas mudanças são sutis, mas mesmo assim merecem destaque. Há algumas regras sobre como o amadurecimento do personagem faz com que ele acumule educação em detrimento de atributos físicos.

O jogo agora oferece Traits. Estes são bastante similares a Vantagens e Desvantagens em outros sistemas de RPG (os jogos da White Wolf usam muito isso, por exemplo). Trata-se de um regra opcional bastante interessante de várias formas. Através dessa regra, o jogador no momento da criação do personagem rola um dado e descobre qual a vantagem ou desvantagem obtida pelo seu investigador. O Guardião pode "subornar" o jogador com 3d20 pontos extras de Habilidades para que ele se arrisque a rolar seu Trait. Eu pessoalmente não gosto dessa última regra, afinal de contas uma desvantagem concede opções para o crescimento do personagem e ótimas oportunidades de roleplay. Além disso, um jogador em Call of Cthulhu deve estar preparado para lidar com coisas muito piores do que uma desvantagem.

O trait é sorteado através de um rolamento de d6 e d20 simultaneamente. Os valores não são somados. Ao invés disso, o jogador consulta os números em tabelas que descrevem uma grande variedade de possibilidades. Por exemplo, um jogador rolando 4 (no d6) e 14 (no d20) deve consultar a tabela 4, entrada 20, encontrando ali "Propriedade Herdada", na qual ele começa o jogo com uma propriedade herdada de um parente que ele não conhece ou nunca ouviu falar. As tabelas são bastante completas e com excelentes ideias para conceder um colorido ao jogo. Estranhamente os autores parecem reticentes em incorporar essa regra, afirmando várias vezes que ela é opcional. Faz um pouco de sentido essa insegurança, uma vez que essa é uma mudança significativa em um sistema de regras que mudou muito pouco desde que foi criado. A regra não é balanceada: um personagem pode sair com uma ótima vantagem, por exemplo ser "forte como um touro" recebendo 1d3 pontos adicionais em sua força física, enquanto outro acaba recebendo um inimigo mortal que o perseguirá ao longo das aventuras tornando a sua vida um inferno. Mas, esse é o tipo de regra que não precisa ser equilibrada, dependendo realmente da sorte do jogador. Para os que não gostaram dela, basta não utilizá-la.

II. O Mundo Vitoriano


Este capítulo concede uma fartura de recursos para o Guardião. Você tem uma cronologia da época, uma história da Inglaterra vitoriana, uma lista de colônias britânicas, um breve histórico sobre importantes eventos ocorridos na Eurásia e finalmente, uma lista de pessoas famosas e/ou notáveis ​​da época. Todos esse elementos são ótimos para dar cor e sabor ao seu cenário vitoriano. O restante do capítulo é um olhar  adequado sobre a Inglaterra, com uma atenção especial em Londres - que é o centro da maior parte dos cenários nesse período, sem esquecer, entretanto de diversas outras regiões da Grã-Bretanha. Ele ainda tem um parágrafo sobre sotaques diferentes, que eu amei. O narrador tem a sua disposição um leque de informações muito detalhado a respeito do governo, do crime, os meios de transporte, os jornais e publicações e muito mais. Fica claro que a pesquisa foi muito bem conduzida.


Essa seção não apenas serve ao mestre de Call of Cthulhu, mas ao mestre de qualquer outro jogo / sistema centrado na Inglaterra vitoriana. Por algum tempo conduzi uma crônica de Vampire Masquerade se passando nesse mesmo período e essas informações foram muito úteis. Se você é um narrador interessado em conceder um certo senso de autenticidade a seu jogo, encontrará regras específicas sobre perseguições de carruagens, informações sobre hotéis e até um glossário com palavras presentes na gíria de criminosos. Como eu disse, bem completo!

III. Strange Britain


Eu simplesmente adorei este capítulo. Novamente, ele pode ser facilmente adaptado a qualquer ambiente ou sistema na Inglaterra vitoriana. O capítulo começa com uma apresentação de várias sociedades secretas dedicadas ao estudo do ocultismo na época, como a Sociedade Teosófica e a Ordem Hermética da Golden Dawn. Ele fala também sobre os círculos dedicados ao espiritualismo e como eram realizadas as Seances que marcaram a épocaVocê também tem um cronograma de acontecimentos incomuns, inexplicáveis ou apenas estranhos, o que é uma ideia brilhante. O capítulo trás ainda uma lista de locais assustadores ou sinistros nas Ilhas Britânicas que podem ser usados como uma valiosa fonte de ideias para o Guardião criar seus próprios cenários. O que não faltam são locais assombrados, fantasmas e maldições. Não bastasse esses recursos, o livro lista criaturas, monstros e entidades dos Mythos de Cthulhu encontradas exclusivamente nas Ilhas Britânicas. 


Esse capítulo concede ainda estatísticas para importantes personagens fictícios presentes na literatura do período: temos o Conde Drácula, Phileas Fogg, Capitão Nemo, Sherlock Holmes e outros tantos heróis e vilões da ficção com estatísticas completas. Tudo com um histórico que permite ao narrador lançar seus jogadores em mistérios envolvendo esses personagens clássicos. Para os que ficaram tristes com a ausência do cenário estrelado por Sherlock Holmes, a terceira edição mantém intocado o material a respeito do famoso detetive, incluindo uma cronologia de seus principais casos e como acrescentar elementos do Mythos a uma típica investigação de Sherlock Holmes. Strange Britain se encerra com uma lista completa de NPC e algumas (boas) dicas sobre como narrar uma campanha bem sucedida ou cenário tendo como pano de fundo a Era Vitoriana. Incrivelmente bem feito do começo ao fim.

IV. Aventuras Gaslight

A parte final da Terceira Edição de Cthulhu By Gaslight contém duas aventuras. Uma intitulada "The Night of the Jackals” (A Noite dos Chacais) que é um cenário introdutório para jogadores iniciantes, enquanto o segundo, “The Burnt Man” (O homem queimado - ou imolado) se propõe a desafiar jogadores mais experientes. Fico feliz que tenhamos duas aventuras, ambas novas, ao invés de uma reimpressão da história contida na Segunda Edição.


“Night of the Jackals” é um cenário excepcionalmente bem construído. Trata-se de um mistério de assassinato que envolve uma pitada de sobrenatural e um sutil toque de Cthulhu Mythos, isso tudo embalado com doses cavalares de ocultismo tipicamente vitoriano. Em outras palavras, um monte de misticismo egípcio e artefatos. É uma aventura com um tom mais lento, criada para ajudar os jogadores a entender o estilo de jogo da era. Bem balanceada, com certeza o cenário vai agradar igualmente aos investigadores de primeira viagem e veteranos de longa data.


“The Burnt Man” também é uma espetacular aventura. Ele faz uma releitura dos antigos mitos britânicos a respeito de fadas e subverte o tema, inserindo elementos do Mythos de Cthulhu. A aventura faz um aceno a tradições pagãs e bebe da fonte dos contos de Arthur Machen construindo um ótimo panorama de pesadelos na idílica paisagem do País de Gales. O cerne dessa aventura se desenrola ao redor de um sujeito maligno que tem o azar de se meter com forças ainda piores que ele. Sua viúva acredita que a casa onde ela vive é assombrada e contrata os investigadores para descobrir se realmente uma presença fantasmagórica está agindo em sua propriedade. É claro, na melhor tradição dos mistérios vitorianos, as coisas não são exatamente o que parecem e haverão muitas reviravoltas no caminho dos jogadores. Realmente um bom cenário!  

O capítulo se encerra com valiosos "Player Aides" para o Guardião e para os jogadores. O autor indica uma lista de estórias, contos, filmes, programas de televisão que ajudam a construir o feeling vitoriano e podem servir como inspiração para a interpretação dos jogadores. O que não falta são idéias para captar o feeling dessa época fascinante. Também há uma excelente e generosa, lista de contos do Mythos se passando na Grã-Bretanha e outra de RPG vitorianos. A coisa vai de Masque of the Red Death (um primo de Ravenloft) até o Vampire: Victorian Age, passando por títulos obscuros como For Faerie, Queen and Country um módulo da extinta TSR para o selo Amazing Engine. Esse tipo de referência sempre é muito bem vindo.

De forma geral, Cthulhu By Gaslight, Terceira Edição é um dos melhores livros de RPG lançados esse ano e não estou exagerando. Muito bem escrito, ele me faz lembrar porque eu adoraria que a Chaosium mandasse para a reimpressão parte de seus livros (é claro com uma nova roupagem). Altamente recomendado, mesmo para os mestres de RPG que não narram Call of Cthulhu (no que vocês estão pensando?) mas que tem um interesse no período. Cthulhu By Gaslight é um exemplo de como fazer um Livro de RPG que chega perto de ser perfeito. Autores que pensam em escrever seus próprios suplementos ou ambientação podem desde já encomendar esse livro e começar a fazer anotações.


Algumas fotos do excelente livro, laureado com o prêmio Ouro de Melhor Suplemento do ano no Ennies Awards 2012:


A Capa do Cthulhu Gaslight que recebeu o prêmio de Prata nos Ennie Award como melhor capa de RPG do ano. Muitíssimo merecido na minha opinião. Essa capa é LINDA uma verdadeira obra de arte com o Mi-Go mais maneiro de todos os tempos.


A longa lista de Traits concede opções para o narrador na forma de Vantagens e Desvantagens muito úteis para aprofundar o roleplay dos personagens. Uma ótima adição que eu adoraria ver na Sétima Edição de Call of Cthulhu.


Há uma boa quantidade de fotos e ilustrações adicionais em relação a edição anterior. 


E outras clássicas como esses desenhos onde a "moda vitoriana" é apreciada em detalhes.


A moda masculina e feminina, é claro.


O Capítulo sobre o Mundo Vitoriano é um dos mais completos. Contém todos os detalhes que você pode precisar para rolar uma aventura no Império Britânico.


Há uma apreciação da Sociedade Britânica, dos costumes e tradições inerentes a damas e cavalheiros do período. Como se comportar, quais as normas de conduta e a maneira que a alta sociedade tratava aqueles que feriam o rigoroso código. 


E é claro... Horror Lovecraftiano que não pode faltar em nenhuma obra dedicada ao Mythos.

Mais uma vez, só posso reforçar: Esse é um excelente livro, possivelmente o MELHOR livro para Call of Cthulhu, lançado pela Chaosium na última década. Vale muito a pena!

E se você estiver com seu inglês afiado poderá ouvir também a recomendação do Mestre Kurt Wiegel do Game Geeks:



  

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