domingo, 11 de dezembro de 2016

Escrito em Sangue - Cartas de maníacos endereçadas aos seus perseguidores


O roteiro é algo que você poderia encontrar em alguma história de suspense e mistério.

Os corpos de duas vítimas foram encontrados em uma rodovia interestadual, e próximo dos restos mortais, uma estranha mensagem é achada grampeada na camisa de um dos mortos. As implicações da mensagem tornaram tudo ainda mais aterrorizante:

"Desculpe, o primeiro assassinato sempre é descuidado. Mas terei tempo de aprender".

A mensagem continuava, "Não posso ser como vocês, e contar mentiras. Eu não posso amar alguém sem contar a essa pessoa o que sinto. Enquanto não consigo arranjar forças para tanto, preciso aliviar meu stress de alguma forma. Matar é fácil, tão fácil que farei de novo em breve".

Essa mensagem não é invenção de alguma novela de mistério, ela realmente foi encontrada em uma complexa cena de crime real. São eventos que tiveram lugar recentemente no Condado de San Jose, na Califórnia.

O Toronto Sun deu destaque ao ocorrido escrevendo o seguinte:

“As autoridades policiais se disseram chocadas pela sugestão contida na mensagem aludindo para o fato de que poderão haver mais mortes. Os motivos para os assassinatos do engenheiro de 59 anos e sua esposa, uma contadora de 57, mãe de dois, permanece um mistério. Ambos eram muito respeitados pela comunidade onde residiam e não tinham inimigos conhecidos. O crime parece ter sido um ato deliberado, um infeliz caso de pessoas no lugar errado, na hora errada”.

Como o jornal deixa claro, não se sabe o que pode ter motivado o ato de extrema violência. O casal parece ter sido rendido e retirado do automóvel em que estavam trafegando a noite em uma auto-estrada. Os dois foram executados implacavelmente. Cada um recebeu dois tiros na cabeça depois de serem feridos. O fato de terem sido colocados lado a lado de costas e baleados posteriormente na cabeça indicam que o indivíduo planejava matar. Nada foi roubado ou removido da cena do crime, nem mesmo uma carteira contendo 120 dólares no bolso do homem e um relógio valioso da mulher.

Obviamente, o que torna esse incidente trágico ainda pior, são os possíveis motivos do matador, que deixou a enigmática mensagem ao lado dos corpos. Além de seu sombrio comportamento, a mensagem aponta para alguém com sérios problemas de personalidade, distúrbios emocionais e provavelmente, o desejo inconsciente de interagir com a polícia e ser capturado para dar sentido aos seus atos.

Cartas e mensagens como essa do assassino de San Jose não são incomuns. Ela nos lembra a história de vários assassinos em massa e assassinos em série que aterrorizaram populações inteiras. Indivíduos movidos por uma compulsão de matar só comparável com seu desejo de aparece na mídia e estar sob os holofotes. São pessoas que acreditam estar participando de um tipo de brincadeira mortal, um jogo de gato e rato em que alternam o papel de caça e caçador.

Entre as mais famosas correspondências macabras estabelecidas entre assassinos e policiais, estão as notórias mensagens em poder da Scotland Yard, assinadas pelo infame Jack, o Estripador. Os arquivos da Yard contam com dezenas de cartas - centenas de fato, que foram recebidas pelos jornais e instituições da época, supostamente escritas por aquele que é considerado o mais misterioso assassino em série de todos os tempos. 


Jack assombrou a região do East End de Londres, a área de Whitechapel deixando em seu rastro sangrento um total de cinco vítimas confirmadas e mais uma dezena de outras supostas mortes não reconhecidas. Whitechapel era famosa pela brutalidade e pelo alto índice de óbitos. O assassino jamais foi capturado, o que aumentou a aura de mistério sobre a sua identidade consolidando o mistério ao longo das décadas. 

Durante o curso da investigação, muitas cartas escritas à mão, foram enviadas para autoridades. Estima-se que dezenas de pessoas tenham se aproveitado da fama do caso e enviado mensagens se fazendo passar pelo assassino com o intuito de confundir, alertar e ridicularizar a polícia, ou quem sabe apenas tomar parte no caso que deixou Londres eletrificada.

No entanto, entre as muitas cartas, três se destacam. Elas foram remetidas entre setembro e outubro de 1888 em agências dos correios no centro de Londres. Essas cartas, conhecidas universalmente como "Cartas do Estripador" (Ripper Letters) foram assinadas com o nome "Do Inferno" (From Hell) no cabeçalho e com a inconfundível introdução "Caro Chefe" (Dear Boss) o que serviu como forma de reconhecimento para as cartas do matador.

A primeira mensagem foi escrita no verso de um cartão postal simples e assinada por "Saucy Jack" um dos muitos apelidos do criminoso na época dos crimes:



Na mensagem lia-se:

Eu não estava brincando querido velho Chefe quando eu lhe dei a dica, você ouvirá sobre o trabalho do Insolente Jacky amanhã. Evento duplo desta vez, a número um gritou um pouco e não pude terminar logo de cara. Não tive tempo de tirar as orelhas para a polícia. 

Obrigado por manter minha última carta em segredo até que eu volte a trabalhar novamente.

Jack, o Estripador

O cartão ganhou destaque pois ele falava em "evento duplo" o "duplo homicídio" praticado que foi mantido à princípio em sigilo pela polícia metropolitana para conter o pânico nas ruas. Apenas o assassino poderia saber dos detalhes.

As duas cartas seguintes foram escritas em um papel grosseiro similar - usado geralmente para embrulhos e com uma tinta vermelha - talvez uma tentativa de fazer as palavras parecerem ter sido escritas com sangue. 

A primeira carta, com uma caligrafia rebuscada, palavras bonitas e quase nenhum erro de grafia foi a princípio descreditada, afinal, não se esperava que o assassino pudesse ser alguém com educação. 

Além do que a caligrafia era bem diferente das demais: 


Dizia a carta:

Querido Chefe

Eu continuo ouvindo que a polícia me pegou, mas eles não vão me corrigir ainda. Eu ri quando eles pareciam tão inteligentes e falavam sobre estarem no caminho certo. Aquela piada do "Avental de Couro" me deu ataque de risos. Estou chateado com as putas e não deixarei de estripá-las até que eu esteja farto. O último foi um trabalho grandioso. Eu nem dei à senhorita tempo para gritar. Como eles vão me pegar agora? Eu amo meu trabalho e quero começar novamente. Em breve ouvirão falar de mim com meus joguinhos divertidos. Guardei alguma substância vermelha em uma garrafa de cerveja de gengibre para escrever, mas estava tão espessa como a cola e não pude usá-la. A tinta vermelha é apta o suficiente, espero, ha, ha. No próximo trabalho cortarei as orelhas das senhoritas e as enviarei à polícia para me divertir. Mantenha esta carta em segredo até que eu tenha feito um pouco mais de trabalho e depois publique-a logo de cara. Minha faca é tão bonita e afiada que quero começar a trabalhar agora mesmo, se eu tiver uma chance. 

Boa sorte. 
Sinceramente seu,
Jack, o Estripador.

PS - Não se incomode por eu estar dando meu nome profissional. Não estava bem o suficiente para enviar isto antes de tirar toda a tinta vermelha das minhas mãos. Maldita seja. Sem sorte ainda, agora dizem que sou médico, ha, ha.
Finalmente, a carta abaixo, uma das mais conhecidas e analisadas, foi endereçada a George Lusk, chefe do Comitê de Vigilância de Whitechapel. Além da carta, escrita novamente com tinta vermelha sobre um papel grosseiro, o envelope acompanhava um horrendo souvenir: uma fatia do fígado de uma das vítimas removido pelo estripador (o órgão seria de Catherine Eddowes, que teve o fígado removido após seu assassinato).



Do inferno

Sr Lusk


Senhor,
Eu envio para você a metade do rim que eu tirei de uma mulher e que conservei para o senhor. O outro pedaço eu fritei e comi e estava muito bom.
Talvez eu envie a faca ensanguentada que o tirou se esperar um pouco mais. Assinado
Pegue-me quando puder.
Por razões óbvias essa última carta é considerada sem sombra de dúvida uma obra de Jack, o Estripador, já que exames reconheceram que o fígado de fato pertencia a vítima. 

O mais estranho é que a carta com o fígado parecia ter sido escrita por alguém quase iletrado, como se outra mão tivesse escrito ou o assassino tivesse ditado o texto para outra pessoas redigir de maneira simplória. Análises grafotécnicas recentes - ainda que muito questionadas, sugerem que a caligrafia das três cartas é a mesma e que o autor tentou com afinco disfarçar sua letra. A análise das duas cartas do Estripador resultou em mais controvérsia, com especialistas sugerindo que fora usado em ambas o mesmo tipo de tinta e papel.

Os crimes do Estripador de Whitechapel não foram os únicos assassinatos não resolvidos em que o perpetrador deixou cartas para os investigadores.


Começando em 1968, uma série de crimes no Norte da Califórnia tornou-se material de lendas (ou pesadelos), nos anos seguintes. O assassino desafiava a polícia a decifrar uma série de criptogramas fragmentados que levariam a sua identidade. As cartas com os enigmas eram enviadas para os principais jornais do estado. Cada cartão com o enigmas vinha acompanhado de cartas em que o assassino se gabava de sua inteligência e da burrice da polícia que o deixava escapar impune. Nas cartas, o assassino também fazia um alerta: "se vocês não me pegarem, vou continuar matando".

Em diferentes ocasiões, o Matador de Valejo, como ficou conhecido no início de sua carreira, prometeu que mataria padres, negros e crianças em idade escolar. Certa vez, afirmou que mataria uma pessoa por semana até completar doze semanas.

Uma carta subsequente, enviada para o editor do San Francisco Examiner, tinha uma assinatura que se tornaria famosa a partir de então: ele seria o ZODÍACO.

Mesmo com o criptograma resolvido, a identidade do matador continuou um mistério. As pistas não levavam ao seu nome, apenas a mais promessas homicidas e estranhas afirmações como as que o assassino afirmava estar "coletando almas que lhe serviriam como escravos no além".


O Zodíaco, assim como Jack, o estripador, jamais foi capturado. Apesar dele afirmar ter cometido mais de 30 assassinatos, a polícia reconheceu a autoria de 5 vítimas, mortas à tiros ou com facas. Curiosamente, as mensagens do Zodíaco continuaram chegando para os jornais muitos anos depois que as mortes se encerraram.

Uma boa quantidade de outros assassinos notáveis estabeleceram contato com a imprensa ou com os investigadores responsáveis por capturá-los. A questão mais ampla diz respeito aos objetivos psicológicos e a motivação desses criminosos em estabelecer esse vínculo com seus "oponentes". Muito mais do que o simples "suspense" ou do "risco", muitos assassinos sentem a necessidade de terem suas "façanhas" reconhecidas. Uma espécie de desejo incontido de se relacionar com as pessoas que os perseguem. Alguns deles parecem também propensos em oferecer pistas.

Psicólogos comportamentais acreditam que seja uma combinação de diferentes fatores que levam o assassino a essa interação. O assassino Zodíaco chegou a afirmar que havia oferecido todas as pistas necessárias para que a polícia o capturasse, e disse que "o jogo" estava se tornando cada vez mais perigoso. O próprio Jack encerrava algumas de suas cartas com um desafio "pegue-me se for capaz".

Em seu livro Pistas dos Assassinos: Mortes em Série e Mensagens, o autor Dirk C. Gibson escreve que "A comunicação dos assassinos em série jamais é frívola ou espontânea. Na veradde, parece ser uma parte de sua fantasia lidar com seus algozes e oferecer a eles a chance de captura. Essa é uma atenção que ele se sente compelido a alimentar".

Não é por acaso que a Divisão de Análise Comportamental do FBI mantém um extenso banco de dados sobre o tema "comunicação entre matador e investigador". Estabelecer uma espécie de vínculo e alimentar o jogo de gato e rato é uma forma de identificar o criminoso ganhando sua atenção e massageando o seu ego.

A Divisão conseguiu grande sucesso ao usar essa interação para identificar e capturar Dennis Rader, mais conhecido como o assassino BTK (as iniciais de Bind, Torture, Kill - Prender, Torturar, Matar) em 2005. O BTK aterrorizou o estado de Kansas entre a década de 1970 e 1990 produzindo mais de uma dezena de vítimas. 

Rader só foi capturado por que estabeleceu uma espécie de vínculo com um investigador que passou a considerar como um "amigo" ou ao menos "confidente" a ponto de cometer um deslize decisivo, enviar uma mensagem de e-mail que pode ser rastreada.


Não é exagero dizer que a dedicação dos investigadores ao longo de semanas ganhando confiança foram essenciais para garantir sua captura.

Cartas e mensagens constam entre as assinaturas reconhecidas de assassinos que tendem a reincidir na sua prática criminosa, são portanto uma das características que ajuda a identificar assassinos em série. Contudo, mais do que fornecer pistas, essas mensagens apresentam um vislumbre da estranha mente de seus autores. 

Uma mentes realmente assustadora...

Ah sim, até o final desse artigo o assassino de San Jose não havia atacado novamente e nem enviado mensagens para a polícia. Esperemos que continue assim.

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