quarta-feira, 29 de março de 2017

O Desespero é Verde - O Despertar de Cthulhu - Antologia em quadrinhos


Um adolescente que visita a mãe de um falecido amigo.
Uma conversa entre o Pai da Bomba Atômica e a Grande Besta.
Uma pequena cidade entregue à loucura messiânica.
Uma cidadezinha com segredos profundos.
Uma expedição amazônica entrando em contato com uma tribo singular.
Um homem a beira do ataque de nervos, preocupado com a família.
Um restaurante servindo sushi (extra) fresco.
Uma praga consumindo um vilarejo isolado.

Essas são as premissas das oito histórias narradas em "O Despertar de Cthulhu", uma antologia em quadrinhos que trás contos curtos assinados por artistas que se dedicam a criar narrativas sobre os Mythos de Cthulhu, sobre o Horror Cósmico e sobre coisas que não deveriam existir. 


Lançada ano passado pela Editora Draco em uma edição extremamente caprichada, a coleção reúne um excelente time de roteiristas e ilustradores nacionais - identificados na página final sob o título "Eles abraçaram o desespero". A missão deles é contar em no máximo vinte páginas, histórias terríveis e chocantes que causam perplexidade, incômodo e em alguns momentos repulsa no leitor. E vou te dizer, a maioria deles consegue acertar em cheio dentro dessa proposta! 

Não estou exagerando... Algumas histórias são positivamente bizarras, absurdamente estranhas e profundamente incômodas de ler. O tipo de coisa que você termina a leitura, fecha o livro para recuperar o fôlego e só então segue adiante. Sério, elas ficam com a gente por algum tempo, seja pelas linhas do roteiro, seja pela arte alucinante com traços por vezes simples, mas grotescamente detalhados, realçados pela coloração verde doentia. Essa aliás, é uma das sacadas mais bacanas da obra: Despertar de Cthulhu é editado em preto e branco, mas quando o horror começa a tomar forma, a paleta de um verde radioativo começa a se espalhar pelas páginas contaminando tudo. A escolha do verde para representar a presença da insanidade e do Horror dos Mythos é uma ideia genial, parabéns para quem teve o insight. Em algumas narrativas, o verde começa discreto, mas aos poucos ele vai tingindo tudo, até que as páginas parecem transbordar, saturadas por essa cor nociva.


Vou ser sincero, eu não sou muito fã de Horror Visceral, não gostei de Neonomicon por exemplo. Na minha concepção, o (quase) sempre genial Alan Moore, teve ali um ponto fora da curva, deu uma deslizada feia ao levar o horror lovecraftiano na direção de uma mistura indigesta de sexo, violência gratuita e choque pelo simples prazer de chocar. Embora, Despertar de Cthulhu enverede por um caminho semelhante em alguns momentos, recorrendo ao gore, ao choque e ao insalubre, ele consegue ser mais equilibrado. É provável que isso se deva a variedade de artistas e a interpretação particular de cada um a respeito do Horror Cósmico. Para uns, contar a história envolve ser mais direto e brutal, para outros o caminho escolhido é do "mais é menos". Com isso, as coisas ficam mais balanceadas.


Como acontece em todas as antologias assinadas por diferentes autores, há pontos altos e outros nem tanto, mas no geral as histórias são bastante interessantes. Há também uma aura de nacionalismo intenso, com histórias centradas no Brasil, com ênfase em nossa "brasileirice", com espaço para crítica social, aos nossos costumes e a tradições que quando esmiuçadas soam incrivelmente bizarras. As seminais cidades da Nova Inglaterra - Arkham e Innsmouth, usadas exaustivamente na obra de Lovecraft, dão lugar a lugarejos no interior do Brasil, vilas isoladas cheias de superstições e povoados miseráveis habitados por "nossa gente". 

Eu adoro essa valorização do terror bem próximo, detesto a noção de que para ser boa, uma história de horror tem que se passar nos Estados Unidos ou na Europa com personagens dessas nações. Ora, horror é horror e se existe uma máxima nos Mythos é que ele não obedece convenções, quanto menos as humanas. Esse conceito de puxar a ação para nosso quintal dá muito certo em algumas histórias, ainda que não em todas. 


Curiosamente, a história mais marcante da antologia não centra os acontecimentos no Brasil, mas no interior da Inglaterra em 1946. A história intitulada "Os Tambores de Azathoth" é um verdadeiro achado, contando com um texto afiado e uma arte irretocável. Não vou dar spoilers, mas misturar Openheimer, Aleister Crowley, Azathoth, pesadelos nucleares e Nyarlathotep numa mesma história é para poucos. Meus cumprimentos!

Organizado por Raphael Fernandes, "O Despertar de Cthulhu" presta uma homenagem a cultuada figura de H.P. Lovecraft se apropriando, usando e abuscando de seus conceitos e recriando o horror dos Mitos sob uma nova roupagem. 


Se o distinto Cavalheiro de Providence aprovaria ou não, é difícil dizer... é provável que ele ficasse profundamente chocado. 

Bem vindo ao século XXI, Sr. Lovecraft.

Nota - A Editora Draco promete que a coleção será uma trilogia. O segundo exemplar "O Rei Amarelo" já foi lançado e também receberá a resenha do Mundo Tentacular. O terceiro está à caminho ainda esse ano.  

4 comentários:

  1. Excelente resenha! Este volume e o Rei de Amarelo são coleções muito boas de histórias e com artes sensacionais. Recomendo fortemente para qualquer fã de Lovecraft e Chambers! Ansioso pelo 3º volume da trilogia...

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  2. O conto Os Tambores de Azathoth é excelente mesmo, e a qualidade gráfica tanto desse quanto o Rei de Amarelo é incrível!. Muito boa a resenha!

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  3. Em nome do nosso Senhor Salvador Lord Chuthlu eu quero!!!

    Odeiou Neonomicon?!? Eu também!! Depois desse me convenci Alan Moore é um escritor mediocre supervalorizado demais.

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  4. Cheguei em seu blog através da minha mente perturbada, buscando saber mais sobre os assuntos que nos rodeiam. Eu e meu grupo de cultistas buscamos nos aprofundar e, quem sabe, sacrificar para obter tais conhecimentos.

    Obrigado pela explicação de sanidade no RPG e gostei de ver que terá um quadrinho. YAY

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