quinta-feira, 12 de outubro de 2017

Pandemic: Reino de Cthulhu - Enfrentando os Mythos em um jogo colaborativo


Apesar de existirem muitos outros jogos cooperativos, como Shadows over Camelot e Arkham Horror, muitas vezes as pessoas esquecem o quanto Pandemic foi inovador em sua proposta quando lançado em 2008. Ele era uma novidade para a maioria das pessoas, um jogo que desafiava os participantes a vencer o mesmo desafio criado pelo próprio sistema. Apesar do tema sombrio, este era fascinante: Cada jogador assumia o papel de um cientista do Centro de Controle de Doenças lutando contra o tempo para descobrir a cura para quatro epidemias letais que se espalhavam rapidamente e que podiam devastar a humanidade.

As regras eram bastante acessíveis, o suficiente para que logo após abrir a caixa, ler e fazer o setup, já fosse possível dar início à partida. E uma vez que você jogava, sabia que teria de jogar novamente, nem que fosse para confrontar o jogo de novo, porque essencialmente, jogar Pandemic era como tentar resolver um quebra-cabeças. Difícil, complexo, mas quando você começava, não tinha como parar.

Eu joguei Pandemic pela primeira vez em 2012 e foi amor à primeira vista. Que jogaço! Desde então ele se tornou um dos meus boardgames favoritos, e com certeza eu não estou sozinho; muita gente tem ele em seu Top 10, sobretudo graças ao fator re-jogabilidade.


Diz a lenda que em meados de 2009, Chuck Yeager, um dos criadores de Pandemic comentou sua teoria de que o jogo poderia ser facilmente adaptado para o universo dos Mythos de Cthulhu. Nesse contexto, cada doença, identificada por uma cor (vermelha, azul, preta e amarela), poderia representar a ação de um culto devotado aos Grandes Antigos. Dessa maneira, os cubos amarelos seriam membros do Culto do Símbolo Amarelo (devotado a Hastur), os cubos negros identificariam o Culto do Faraó Negro (Servos de Nyarlathotep), e assim por diante. A teoria ficou no ar por algum tempo até que em 2016, ela se tornou uma realidade com a publicação de Pandemic: Reino de Cthulhu

Pandemic: Reino de Cthulhu (Pandemic: Reign of Cthulhu) é um jogo cooperativo - ou seja, todos os jogadores trabalham em conjunto e tentam vencer o desafio, se um vence, todos vencem, se um perde, todos perdem. Cada jogador assume o papel de um Investigador cujo objetivo é frustrar uma terrível conspiração orquestrada pelos cultos que tentam invocar Deuses Malignos na Região Lovecraftiana. Eles devem correr, encontrar as pistas necessárias para fechar os portais, enquanto os cultistas contatam Shoggoths para atrapalhá-los. Vagando de Arkham para Kingsport, de Innsmouth para Dunwich, os investigadores devem enfrentar terríveis ameaças. As dificuldades vão muito além de reunir as pistas e fechar os portais dimensionais, existe a chance real de enlouquecer no processo e acabar trancafiado em um manicômio.


Se uma quantidade determinada de Grandes Antigos for invocada e Cthulhu acordar de seu sono, os investigadores serão derrotados. Se eles forem cercados pelos cultistas - ou seja, se o suprimento de cultistas se esgotar, os investigadores perdem. Se eles forem cercados por Shoggoths - ou seja, o suprimento de Shoggoths se esgotar, os investigadores também perdem. Se eles falharem na tarefa de reunir as pistas à tempo, eles são derrotados. Se todos acabarem insanos, (adivinha só?) eles perdem em face da loucura que os domina. Mas se eles conseguirem fechar todos os portais antes de ficar sem pistas, então (ufa!), eles Vencem.

Como pode-se perceber, existem cinco maneiras de perder o jogo e apenas uma de ganhar, ou seja, espere MUITA dificuldade nesse jogo. MUITA MESMO! De fato, Pandemic: Reino de Cthulhu é um daqueles jogos malditos em que uma situação aparentemente controlada pode degringolar de um momento para outro e todo o trabalho que o grupo teve, pode vir abaixo em poucas rodadas. É daqueles jogos que dão nos nervos e que nos deixam furiosos, mas que mesmo assim, encontrarão uma grande re-jogabilidade.


Criado para ser jogado por dois a quatro jogadores, o visual de Pandemic: Reino de Cthulhu lembra bastante o do jogo original. O tema também aponta para o clássico Arkham Horror já que a missão dos jogadores é bastante similar e envolve lacrar portais dimensionais e prevenir a invasão de Monstros abomináveis. O tabuleiro apresenta um mapa da Nova Inglaterra, com as quatro grandes cidades lovecraftianas - Arkham (na cor verde), Dunwich (amarela), Innsmouth (roxo) e Kingsport (vermelha). Cada cidade consiste de cinco localizações, mais um portal. Uma área de cada cidade possui uma estação rodoviária, sendo que Arkham possui duas. 

Em cima do mapa existe um espaço para serem colocadas as cartas dos Antigos, cada uma representando uma entidade que é despertada caso um Shoggoth atravesse a passagem dimensional. Uma vez despertos, esses Antigos exercem uma influência nefasta sobre a partida e dificultam ainda mais a vitória. Por exemplo, se Hastur acordar, os Shoggoths se movem mais rápido para os outros portais, enquanto se Yig despertar, o fechamento dos portais fica mais complicado. No final dessa linha reservada para seis Grandes Antigos encontra-se um espaço ocupado pelo Grande Cthulhu. Se ele despertar, o jogo se encerra. Sob cada espaço existe um número que indica quantas cartas de invocação são viradas no final de cada turno. Esse número vai aumentando a medida que os Antigos aparecem em uma escalada acelerada.


O mapa possui ainda espaços para as Cartas de invocação e para Cartas dos Jogadores. Os dois baralhos contém cartas correspondendo a localizações assinaladas no tabuleiro. As Cartas de invocação determinam onde os cultistas irão aparecer e espalhar a sua influência nefasta no mapa, assim como a localização dos Shoggoths que tentam se mover para dentro dos portais. As Carats dos Jogadores representam as pistas essenciais para o sucesso da partida. Se os jogadores conseguirem coletar cinco pistas de uma mesma cor e chegar até o portal de uma cidade, eles conseguem fechar a passagem. Misturadas ao baralho dos Jogadores há ainda dois tipos especiais de cartas: as relíquias que fornecem vantagens temporárias aos jogadores ao custo de sanidade e as cartas malignas (stirs), que espalham os cultos ou os deixam ainda mais fortes. Essas cartas tornam o jogo ainda mais intrincado, oferecendo diferentes opções e virando a mesa de um momento para o outro.


Pandemic: Reino de Cthulhu vem com serie de investigadores - detetive, médico, motorista, caçador, mágico, ocultista e repórter, cada um possuindo uma habilidade especial. O detetive, por exemplo, precisa de menos pistas para conseguir fechar um portal, enquanto o médico pode fazer uma jogada extra na sua vez. Já o motorista faz um movimento adicional e ignora certos efeitos que reduzem seu deslocamento. Cada investigador possui uma ficha que explica sua habilidade. As fichas servem ainda para identificar quando o personagem perde sua sanidade e quais os efeitos diretos da loucura. Há maneiras de recuperar a sanidade, sendo que fechar os portais sempre trás esse benefício.

Há uma diferença fundamental no formato das peças de Pandemic e Pandemic: Reino de Cthulhu. Enquanto no primeiro tínhamos cubos de madeira coloridos que simulavam a ação da epidemia, aqui temos miniaturas de plástico. Cada investigador tem uma peça esculpida muito bem feita, já cultistas e Shoggoths tem a mesma aparência genérica. As miniaturas são excelentes e acrescentam muito ao flavor do jogo.         


No início da partida, seis cartas de Grandes Antigos são selecionadas de forma aleatória e dispostas no topo do tabuleiro. Cada jogador escolhe o seu personagem e recebe a ficha com as informações contendo suas opções e habilidades únicas. Cada investigador também inicia a partida com quatro pontos de sanidade. Todos personagens são posicionados na Estação ferroviária de Arkham de onde podem apanhar um trem para as demais localizações do mapa. Cultistas e um Shoggoth são posicionados no tabuleiro em seis localizações sorteadas. Cartas de Relíquias são acrescidas ao Baralho do Jogador  e cada um deles recebe duas ou mais cartas para formar uma mão inicial. O número de jogadores determina quantas cartas o grupo dispõe, quanto mais jogadores menos cartas. Por fim, as "cartas malvadas" entram no baralho que é embaralhado novamente.

Em seu turno os jogadores tem quatro ações possíveis. Mover-se para uma localização próxima, apanhar um ônibus para se mover para uma outra cidade ou usar uma carta de pista para se mover para uma outra área ou através de um portal emergindo em outro. Ele também pode oferecer ou apanhar uma pista da mesma cor que esteja em poder de seus aliados. Também é possível enfrentar cultistas ou Shoggoths e assim removê-los do tabuleiro, sendo que derrotar um monstro tentacular é obviamente mais difícil do que um grupo de cultistas. Derrotar um Shoggoth garante acesso a uma relíquia. Por fim, é possível usar seu turno para fechar um Portal descartando cinco pistas da mesma cor que o Portal aberto nessa região. Várias dessas ações envolvem primeiro testar a sanidade e verificar se o investigador não perde o controle no processo. Isso pode custar pontos de sanidade e atrair a atenção dos Cultistas.


Quando os jogadores terminam sua rodada, é a vez de verificar como os Cultistas e monstros irão reagir. O grande perigo nesse momento é ser cercado pelos inimigos ou permitir que um Shoggoth atinja um portal. O objetivo é chegar até as cidades, trocar pistas e fechar os portais o mais rápido possível. Se o grupo não for proativo desde o início, as coisas podem se complicar rapidamente. As cartas fornecem reviravoltas que tornam as partidas sempre diferentes entre si, algumas mais difíceis, outras menos. Cultistas sempre surgem ao fim da rodada e estes se espalham rapidamente se não forem devidamente controlados. O ideal é que cada jogador assuma uma tarefa e que o grupo possa ir revezando suas ações no momento correto. Se alguém não cumprir o papel estabelecido o caldo pode entornar.

Assim como acontece no Pandemic original, as cartas dificultam ou ajudam muito o desenrolar da partida. O desafio é grande, mas em alguns momentos, as dificuldades serão tão esmagadoras que há pouco que possa ser feito além de controlar os danos e esperar uma reviravolta positiva. Espere tantas derrotas quanto vitórias nesse jogo, sobretudo nas primeiras partidas. Os efeitos das Cartas dos Antigos que são reveladas sempre que um Shoggoth entra num portal são devastadores e o jogo pode acabar de uma hora para outra se nada for feito para anular esses efeitos daninhos.  


Fisicamente Pandemic: Reino de Cthulhu é um jogo com um tema bem definido, com uma apresentação que se encaixa perfeitamente na proposta. O tabuleiro é simples, porém elegante, conjurando uma aura ao mesmo tempo antiga e proibida bem dentro da proposta de jogos lovecraftianos. As peças são muito bem feitas, tanto os tokens quanto as cartas e sua resistência diante de várias sessões é garantida, ainda assim, é bom recorrer aos bons e velhos sleeves. A disposição na caixa é excelente e tudo fica muito bem acondicionado e arrumado para facilitar o set-up.  

Uma questão interessante a respeito de Pandemic: Reino de Cthulhu é se ele continua sendo um Jogo de Pandemic e se vale a pena investir nesse jogo apenas pela variação de tema. Eu responderia que SIM, vale a pena. A mecânica central no Pandemic clássico é bastante parecida com essa versão e é fácil encontrar regras similares. Contudo, o envolvimento dos Mythos de Cthulhu se sobrepõe e faz o jogo fluir com um sabor muito especial que vai agradar em cheio aos fãs. É interessante perceber que Cthulhu: Reino de Cthulhu é um jogo mais difícil e brutal, oferecendo desafios adicionais que tornam a experiência ainda mais intensa para quem gosta de superar dificuldades.

Lançado originalmente pela Z-Games, e no Brasil pela Devir, a transposição do jogo para nosso idioma foi muito boa no que diz respeito a tradução e fidelidade do material. Ele pode ser comprado por 190 e 220 reais.

2 comentários: